Blog do Lulu 2.0

Sunday, August 31, 2008

Cartão de Aniversário.

Muita gente que veio ao mundo neste, que não termina nunca, gostaria mesmo é de esquecer-se de tudo pelo o que passou. Outros o preservam e o carregam em suas entranhas. É o tal de 1968 que ataca outra vez.
Faz quarenta anos que em Maio de 68 um grito de rebeldia ecoou desde Paris e permanece até hoje entalado no ar.
Ao mesmo tempo, os EUA eram batidos pelos vietnamitas. Em Liverpool, na Inglaterra, quatro adolescentes reinventavam a música e a moda assumia novo e definitivo papel sócio-comportamental.
Aqui, um pouco mais abaixo do Equador, enquanto chorávamos querendo mamar no peito de nossas mães, os militares protocolavam as páginas negras da história do país. Fuzilavam sonhos e mandavam seus protagonistas para o pau-de-arara. Prendiam e torturavam seres atávicos e utópicos. Avolumou-se o exílio. Os mortos e desaparecidos se amontoaram.
Mas nada disso, por mais incrível que possa parecer, foi capaz de acabar com a ilusão causada pela vontade de gozar, plena e livremente, de liberdades individuais e desconhecidas.
Desejo tão abrasador que provocou a faísca e atiçou o fogo que pôs tudo a ferver; que fez um novo cinema, a bossa nova e a literatura borbulharem. Que deu à luz ao Tropicalismo e decretou que o melhor do futuro seria mesmo o passado.
Fazem aniversário todos aqueles que pregaram a paz e fizeram amor contra a guerra do Vietnã. Por outro lado, também aniversariam os que defenderam os canhões e não as flores, inspirados pela Revolução Cubana de Fidel Castro.
Irreparável injustiça seria esquecermos de festejar aqui a agora quarentona Primavera de Praga. Movimento de insurgência contra as aberrações do Real Socialismo Soviético que, liderado pelo tcheco Alexander Dubcek, deu origem ao Manifesto das Duas Mil Palavras e abriu caminho para o que viria a ser a Glasnost de Mikhail Gorbatchov.
Também estão de parabéns todos os que venceram suas batalhas pessoais. Merecem reverência as mulheres, os negros, os homossexuais, os artistas, os criadores da contracultura, e o que de bom floresceu na época que não se deixa morrer.
A tudo e a todos vocês, muitos anos de vida.

Wednesday, August 13, 2008

Às voltas com o mundo.

Enquanto assistimos ao eclipse da inspiração e imaginamos o que aconteceria se tudo se apagasse, o mundo dá voltas.
Para abrir parágrafos, fazer e mudar a história, a terra gira. Também rodopiando, cria o dia dos trabalhadores e a noite dos apressados. Inventa o relógio da ansiedade.
Ao mesmo tempo, contorna a lua e provoca a abusiva liberdade do verão, alimenta os amores primaveris, causa o desconforto das depressões outonais e nos faz sentir o frio abandono do inverno.
É em nome das voltas que o mundo dá que a vida se pronuncia. Diz coisas que não compreendemos em cada uma de suas dissonâncias, em cada um de seus poemas de rimas impossíveis.
Onde há mais desejo do que encanto, o mundo é vertiginoso. Pega de surpresa o desavisado, seduz e desencaminha até os mais convictos.
Enquanto corremos e nos apressamos tentando alcançar o tempo, as viradas acontecem. Aquela até então ensolarada vida, de repente, atravessa tormentas e trovoadas.
O tempo também vira. No começo está do nosso lado, mas com o passar dos anos começa a contar pontos contra.
Para compensar, toda vez que uma criança brinca e rodopia imitando o planeta, tudo em torno dela se alegra. Quando alguém suspira ou quando um coração se dilata e bate mais forte, pode ter certeza de que é outro de seus volteios. Acontece o mesmo quando alguém nos deixa chorando sozinhos.
O mundo não dá voltas nem para o bem nem para o mal. São simples provas de que ainda estamos vivos. Falta de movimento é sintoma de ausência de vida.
Também é certo que, o lado para o qual rolam as pedras que se põem no caminho, nem sempre é exatamente aquele para onde gostaríamos. Mas, o simples fato de que somos algo mais do que firmes como rochas é um sinal absoluto de que, apesar de tudo e de alguns, continuamos por aqui e seguimos na roda.

Tuesday, August 05, 2008

Todo dia é dia.

Anoiteceu chorando e parecia não mais querer parar. Insone, a metrópole tinha saudade de seus poetas, de seus atletas. Daquela gente boa que se exercitava e também daqueles que passeavam de mãos dadas, que namoravam em suas praças e parques.
Sentia falta de tudo aquilo que, de forma silenciosa e em sua beleza discreta, era puro.
De uma hora para outra, a cidade viu pairar sobre si mesma o peso da extinção. O crescimento abandonado lhe foi doloroso e devastador. Em cada uma de suas ruínas, rastros de outras vidas que foram transformadas em cicatrizes.
Noite clara de palavras surdas, esmaltada pelo sangue que pulsa nas esquinas, nas vias públicas, nos lobbies esculpidos em mármore, em veias pelas quais mandamentos e pecados corrrem lado a lado, vida e morte se confundem.
Terrificantes horas que passam trôpegas. A lua cheia é o holofote que anuncia e denuncia o triste espetáculo.
Um estampido detona a névoa de pólvora e estala o silêncio. Emoldurado em vermelho, o homem estendido no chão é o retrato que estampa a primeira página do jornal que Seu Claudecyr - com ípsilon - pede para a menina que distribui o diário no farol.
Bem cedinho, como faz todos os dias, ele senta-se, lê apressadamente enquanto engole o pão com manteiga e o café. Paga com as moedas e os trocados que carrega no bolso esquerdo da calça. Apressa o passo até a estação. Chega em cima da hora para bater o ponto.
Motorista de ônibus há mais tempo do que gosta de lembrar, assim que sai da garagem, Seu Claudecyr - com ípsilon - logo percebe que algo mudou, que a pequena rua, pela qual conduz o carro do estacionamento ao terminal, jamais será a mesma.