Blog do Lulu 2.0

Wednesday, January 30, 2008

O Gringo do Grão.

No final dos anos 60, começo dos 70, o hippie americano que saiu vagamundeando sem destino veio parar no Brasil.
Trouxe com ele um discurso, traduzido para o português por um brasileiro que conheceu lá na Califórnia e que também lhe ensinou a pronúncia correta de cada palavra.
O gringo chegou e logo descobriu a planta da qual se faz o chá de Tremelique. Incorporou a descoberta ao palavrório e rapidamente fez muitos adeptos. Dizia sempre a mesma coisa. O papo era mais ou menos o seguinte:
- Toda a tristeza chorada pelo mar estará contida num grão. Uma partícula que não poderá se perder no tempo e viajar ao vento como fazem seus irmãos, os outros grãos.
Cisco no olho de Deus. Grão que não será semente nem eufemismo de gente. Mas será origem. Começo que se redefinirá. Fruto que voltará a ser raiz.
Virá então a rega que purificará a terra onde, de um grão fêmea, renascerá aquela a quem chamarão Esperança. Manifesta em um pensamento, uma palavra amiga, a mão estendida ou a lágrima derramada em defesa da vida.
Na imensidão do claustro céu azul, não mais planarão rapinas. Só haverá espaço para as alvas aves da paz. A alegria voltará ao mar que, com seus dedos de espuma, nos indicará o horizonte onde despontará o colossal sorriso iluminista.
O homem, que de tão rico apodreceu, pobre ressurgirá. Chegará tão frágil e delicado como a nova vida que nos foi ofertada parecerá ser; e de fato será. A esse neo-renascimento darão um nome. Sobre ele serão escritos mandamentos, testamentos e evangelhos. Neste novo mundo, só o que for movido pela força da paz e do amor triunfará.
Diz-se que o Gringo do Grão, como ficou conhecido, ainda anda por aí, que virou empresário. É sócio de um spa esotérico na região nordeste do país.
Pelo que se comenta, o discurso bolorento e o jeitão ripongo continuam os mesmos. Mas, hoje em dia, só pagando para ver.
E em dólar, of course!

Monday, January 07, 2008

Redação de Férias.

Depois de tomar emprestada a força do gigante, o menino ergue seu grandioso castelo de areia e o cerca com muralhas cravejadas de pedras e conchas. Perfiladas e de prontidão, ficam em guarda as estrelas-do-mar.
Ele mergulha, saúda Netuno e sai em missão. Volta à base e encontra o astronauta pronto para a partida.
As ciências não representam mais ameaça e a matemática não lhe rouba mais o tempo. Conhece toda a geografia de que precisa; e a história ele é quem faz.
No quintal, o balanço e a gangorra são a plataforma de lançamento para o inesperado.
A vizinha chega a galope. Amazona encantada que aparece montada em seu cavalo alado. Em vez de asas, rodinhas de apoio que lhe servem de guardiãs e escolta.
Ela pára, apeia e caminha em direção ao menino. Sabe de cor o atalho que conduz direto ao seu coração. É guiada pela flecha do estúpido do cupido que o atinge pela primeira vez. Ele perde a fala, o fôlego e tudo à sua volta parece calar. Só para ela tem olhos e ouvidos. Contrariando o conto, aqui quem desperta é o príncipe.
Em um passe, o mágico tira da cartola o indesvendável véu da noite. Faz o céu escurecer, a lua brotar cheia e fluorescente e as constelações estrelarem.
Uniformizada, chega a moça que traz a mensagem. A menina atende ao chamado da mãe e volta para o condomínio, que tem nome de palácio, onde os pais a esperam. Já está mais do que na hora.
Nada mais ele pode fazer. Os brinquedos abandonados, sem movimento nem vida, lhe apresentam a até então desconhecida solidão como companhia.
Tenta, mas não resiste. Entrega-se ao sofá. Os policiais e os bandidos do seriado assistem ao corpo que, cansado, se desarma, perde a arquitetura e deixa que os sonhos o carreguem até a cama, porque daqui a pouco tem mais.
Amanhã é outro dia de férias.