Blog do Lulu 2.0

Monday, October 23, 2006

Cada um tem o Ele que merece.

Segunda-feira, trânsito pesado e reunião no primeiro horário.
Todos já estão na sala oval. Começa o burburinho.
Supõem-se de tudo, mas nada justifica aquele atraso.
Ora, aquela era a primeira vez em milênios, pelo menos dois.
Eis que Ele surge, barba e cabelos grisalhos e desalinhados, túnica imaculadamente branca.
Ele vem com passo apressado, batendo as sandálias. Traz nas mãos o pergaminho com os assuntos da reunião.
Deus:- Por favor, por favor, eu peço desculpas pelo atraso e que os senhores se sentem o mais rápido possível! Senhores tomem seus lugares, por favor. Os trabalhos serão abertos. Senhor Bonaparte, eu concordo que poderia ter consultado o general antes de criar o mundo, mas não foi possível e de nada adianta o senhor ficar aí, em pé, me encarando.
Napoleão:- Sentar eu me sento, mas a mão de dentro da casaca eu não tiro. É meu sinal de protesto.
Hércules:- Vocês criam, inventam terra, céu, mar, oceano, coisa para caramba e quem carrega tudo nas costas sou eu. Isso não é justo.
Deus:- Calma pessoal. Senhoras, por favor…
Maria Antonieta:- Olhem só isso! Que coisa mais cafona, cortem a cabeça dessa horrorosa!
Carmem Miranda:- Yes, nós temos banana/Banana pra dar e vender
Deus:- Calma meus senhores, o mundo não vai acabar, não há razão para tudo isso.
Napoleão:- Há razão para isso e muito mais, ou o Senhor pensa que o mundo gira em torno de quê, de quem?! Tivesse me consultado e tudo seria diferente… Vive la France!
Deus:- Senhor Bonaparte, contenha-se, e, por favor, dê um jeito na sujeira que seu cavalo acaba de fazer em nossa sala.
Maria Antonieta:- Cortem, cortem a cabeça deste cavalo imundo, nojento!
Napoleão:- Comigo a madam não se mete, hein?! A belle sabe muito bem do que eu sou capaz… Liberté, Egalité, Fraternité! Vive la Révolution!
Deus:- Senhor Napoleão, faça-me o favor: eu já lhe pedi, contenha-se.
Maria Antonieta:-…!
Carmem Miranda:- Banana menina, desbaratina/Banana engorda e faz crescer
Maria Antonieta:- Cortem a cabeça dessa mulher… E me tragam as frutas!
Hércules:- Chefe quer que eu dê um murro na mesa? Às vezes funciona.
Deus:- Obrigado meu caro, mas eu não simpatizo com esses métodos, digamos assim, primitivos.
Hércules:- Então quer dizer que eu viver carregando essa bola que o Senhor criou não é primitivo não, né?! Só pra ver se eu entendi.
Deus:- Meu filho acontece que cada um tem uma determinada função no equilíbrio das coisas. A sua é carregar, sustentar, manter tudo no lugar, eu sei que há outros 12 trabalhos, que isso é acúmulo de funções, mas é só o começo. Logo as coisas engrenam... Você verá. Já a senhorita Carmem Miranda tem a nobre função de nos embevecer com a arte de sua dança e de sua música. Enquanto mademoiselle Maria Antonieta e monsieur Napoleão Bonaparte são franceses, a rainha e o general, futuro imperador da França.
Hércules:- E qual é a função dos franceses nesse tal de equilíbrio?
Deus:- Bom, aí o assunto fica um pouco mais complicado.
Napoleão:- Olhem, vejam, o Senador parece querer pronunciar-se, silêncio!
Aí então, e só aí, a pedido do cavalo proclamado por honra e distintos méritos, todos calaram.
Napoleão:- Meu Senador pode falar, sou todo ouvidos.
O cavalo branco se concentrou, fez uma cara esquisita, torceu o maxilar, soltou um sonoro e catinguento peido e relinchou aliviado.
A trupe caiu na gargalhada.
Fiel, em obediência aos cânones da democracia e do livre arbítrio perpetrados por Ele mesmo, Deus resolveu adiantar o expediente. Assinou, despachou, tornou a calçar as sandálias da humildade e voltou para casa em tempo de assistir ao pôr-do-sol.
Serão logo na segunda, não há cristão que agüente – pensou com Ele mesmo.

Tuesday, October 10, 2006

Quem enobrece quem mesmo?

Roberto é médico, mas odeia sangue. Antônio é contador, mas nunca foi grande coisa em matemática. Horácio é professor, mas nunca gostou de estudar. Sempre foi honorável integrante da turma do fundão, forte candidato a concluir o secundário no correcional.
Já Amália, bom, Amália é a mulher da história e desempenhar esse papel já é trabalho que não acaba mais.
Primeiro, ela conheceu Roberto. Formado em medicina, com pinta de galã de seriado de tv, a família comemorou. Parecia ser ele o tão aguardado príncipe encantado.
Encanto que se quebrou durante um churrasco em família, quando o menorzinho levou um tombo e se machucou. O doutor, ao ver o sangue do pequeno jorrar, desmaiou.
Neste mesmo churrasco, Amália conheceu Antônio. Formado em ciências contábeis, empregado de um importante escritório, logo os familiares concluíram que, além de ser bom partido, podia ajudar seu Alaor, pai de Amália, na organização das contas do mercadinho. E ele não só ajudou, mas tornou-se responsável por toda a contabilidade e controle financeiro do armazém. Desta vez, não foi só o encanto, mas seu Alaor também quebrou.
Amália ficou arrasada. Sentindo-se culpada, caiu em profunda depressão. Meteu na cabeça que iria terminar o segundo grau e tentar uma faculdade.
Foi no Supletivo de Primeiro e Segundo Grau Madre Tereza, durante uma aula de história, que Amália conheceu Horácio, o professor substituto.
Dono de um papo doce e convincente, não só dava aulas, mas também aproveitava a condição de mestre para se dar bem com as novatas, e, nesta lista, Amália agora era a primeira.
Ela não demorou a ceder ao charme e aos encantos de Horácio. Logo pediu para ter aulas de reforço. Aquela história de Getúlio Vargas ter se suicidado seguia muito mal explicada.
Assim, começou o romance que durou até o dia em que seu Alaor resolveu colocar o safado para correr. Amália não era a única que vinha tendo aulas particulares. A filha mais nova do melhor amigo de seu Alaor também tinha problemas em acompanhar as matérias que Horácio lecionava como substituto.
Desiludida, Amália abandonou os estudos. Decidiu ajudar a mãe nas tarefas domésticas, dar tempo ao tempo. O homem certo apareceria. Bastava ela se comportar, preparar-se para recebê-lo que, cedo ou tarde, o homem certo viria ao seu encontro.
Numa manhã de sol, os caminhos de Amália e do recém-chegado Osvaldo se cruzaram. Ela ia até a padaria comprar pão e leite para o café, quando, sem mais nem menos, ele olhou, sorriu e disse bom-dia. Ela apressou o passo.
A cena se repetiu no dia seguinte, no outro e no outro também. Em pouco mais de seis meses, os dois estavam casados e esperavam felizes pelo primeiro neto do seu Alaor.
Finalmente, Amália encontrara sua cara-metade, o homem de sua vida: Osvaldo, o vagabundo.
Vive de fazer nada, mas não é malandro não. Nunca prejudicou ninguém. Muito pelo contrário, é só algum conhecido se dar mal que lá vai ele.
Até hoje, arruma tempo para satisfazer a moça, atender os familiares, dar atenção aos amigos e ainda aprontar das suas. Tipo raro, daquele com que se pode contar, que não deixa ninguém na mão.
O pessoal é unânime, nunca se viu tanta felicidade e segurança estampadas no rosto dela.
Amália desfila pela pequena cidade com passos de mulher satisfeita. Enquanto Osvaldo passou a ser adorado, tornou-se uma espécie de lenda. Prova viva e inconteste de que o trabalho pode até enobrecer, mas raras vezes enriquece e, na maioria delas, brocha o homem.