Nem todo sonho acabou.
Aquecimento feito, o apito ordena que comecem a marcação.
Entram os tamborins. Sobe pela espinha o arrepio que provoca o frio na barriga, acelera o coração e anuncia a entrada da Escola na avenida.
Picolé toma um longo trago de fôlego, ele é o puxador. Ao seu lado, outros cantores, cantoras, o pessoal que empurra o carro de som, enfim, quem não deixa o samba atravessar.
O enredo histórico, Brasil Colônia do Perfume Francês à Seiva de
Alfazema, composto por fantasias clássicas, acompanhadas por carros e alegorias suntuosas, encantou.
No dia do desfile competitivo, a Escola levantou a arquibancada.
Agora, como Campeã do Carnaval, não poderia fazer diferente.
À frente da velha guarda, seu Alaor, de fraque e cartola, conduz Marizete pelo braço. Ela comanda a evolução das damas, que vêm com seus pares e sombrinhas dançantes. Os dois formam um belíssimo casal de mestre-sala e porta-bandeira.
No carro abre-alas, Lucia é o destaque. Atributos para tanto não lhe faltam, que beleza de menina, e que carisma.
Entra pulando em cima de um vidro de perfume que imita os peitos da cantora Madonna, referência a obra de um extravagante estilista francês. De tempos em tempos, a monumental embalagem borrifa água nos passistas e foliões, um luxo.
Picolé chama o refrão. Logo a platéia vai com ele. Um coro composto por milhares de vozes canta o samba enredo composto por Raimundo de Oliveira.
Sua voz embarga, mas ele continua levando sua Escola com sangue, suor e agora, lágrimas nos olhos.
Dora desfila no chão, fala no pé. Sempre acompanhada pelo Mestre, ostenta a faixa, o cetro e a coroa de Rainha da Bateria. Cadeiras soltas, cintura firme, pés ágeis, que sorriso, que simpatia, que beleza de mulher, e ainda samba. A branquela coloca muita mulatinha no chinelo.
O apito soa. Ordena o breque. Agora é com Osvaldo, que vem na coordenação. A bateria faz uma manobra perfeita, melhor até do que no dia da apresentação oficial. Entra no recuo e espera a Escola passar. Tudo sob o olhar atento do pai, que observa orgulhoso Osvaldo Júnior fazer, e bem, a sua vez na linha de frente.
A ala das baianas é formada pelas quituteiras e mulheres rendeiras de Cidade Baixa, que giram suas saias amarelas e fazem brotar um canteiro de girassóis em plena avenida.
Atrás da bateria, trazendo a ala infantil, Amália vem como coordenadora chefe. Ela é a principal responsável pelo timing e desenvolvimento perfeitos da Escola durante as duas apresentações.
Podem falar o que quiserem, mas a mulher acerta o passo e o compasso da moçada.
Ao apontar na apoteose, as crianças, que trazem nas mãos ramos de louros embebidos em seiva de alfazema e ungem a passarela, encerram um dos desfiles mais empolgantes que a Marquês de Sapucaí, desde que se chama assim, já viu.
De repente, alguém salta da multidão e cumprimenta Picolé. Aperta sua mão. Pelo aperto, Picolé reconhece Amâncio. O bicheiro, patrono da escola e marido de sua amante, ou Picolé é quem era amante da mulher de Amâncio. Fato é que os dois andaram se pegando e agora quem vivia para pegar Picolé era o poderoso bicheiro e seus capangas.
Pronto! Mais uma vez o corno, desgraçado arruinou o sonho de Picolé, que acordou suando e com o coração querendo saltar pela boca.
Aquilo não podia continuar. Todo Carnaval era a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, ir até o Rio de Janeiro parecia ser uma idéia um tanto idiota.
Ao chegar lá, procuraria por Dora, que levou com ela Lucia. A mulher ama sambar e freqüenta regularmente a quadra da Mangueira. Grã-fina daquele jeito, dona daquele rebolado, sempre acompanhada de uma belezura de menina, não seria difícil encontrá-la. Difícil seria convencê-la a subir o morro e ir falar com Dininho Boca Suja; pedir para que ele interviesse em seu favor junto a Amâncio.
Dininho, comerciante barra pesada por quem Dora fora apaixonada, tinha grande influência em uma das principais áreas franqueadas por Amâncio, que, com certeza, não só, mas também por isso, atenderia ao pedido de clemência.
- Já fiz coisa muito mais idiota do que isto e ainda estou aqui… Vivo!
Picolé pensou rápido e não mais do que uma única vez. Foi até o escritório, na verdade o estoque, se sentou em cima de uma caixa, empilhou outras duas que serviram de mesa para ele apoiar o pedaço de papel e escrever a carta em que dizia deixar o bar Samba do Crioulo Doido sob os cuidados de seu Alaor e Osvaldo.
Entregou a carta junto com as gravações de suas apresentações a Marizete para que tudo chegasse às mãos de seu Alaor.
Pegou apressado o trem, foi até a rodoviária mais próxima e tomou atrasado o ônibus para o Rio de Janeiro.
A noite que, até então, parecia normal e corriqueira, tomou ares de drama assim que Marizete chegou e entregou o pacote a Alaor.
Estavam lá: Osvaldo, que já colocara a mesa para o jantar. Júnior, que fazia seu dever de casa e Amália, que acabara de chegar da loja.
Seu Alaor abriu primeiro a carta. A idéia agradou, e muito, a Marizete, que agora além do salão, teria um bar dançante para receber suas clientes.
Como não poderia deixar de ser, desagradou Amália na mesma intensidade e proporção. Enquanto uma estava eufórica, a outra se encontrava a beira da histeria.
Osvaldo ficara encarregado de fechar tanto o caixa quanto o bar. O que implicava em Marizete ter que ficar em casa para preparar o jantar e cuidar de Júnior, situação até então inédita para ela.
Ninguém ali fazia a mínima idéia das conseqüências e confusões que a decisão estapafúrdia e a intempestiva atitude de Picolé trariam.
Osvaldo:- Bom, aconteça o que acontecer… Que Deus o proteja… E que ele consiga o que quer.
Seu Alaor:- O homem não abandona seu sonho. O sonho é que abandona o homem.
Os dois brindaram à coragem e insensatez do amigo.
Osvaldo e seu Alaor:- Grande Picolé!
Entram os tamborins. Sobe pela espinha o arrepio que provoca o frio na barriga, acelera o coração e anuncia a entrada da Escola na avenida.
Picolé toma um longo trago de fôlego, ele é o puxador. Ao seu lado, outros cantores, cantoras, o pessoal que empurra o carro de som, enfim, quem não deixa o samba atravessar.
O enredo histórico, Brasil Colônia do Perfume Francês à Seiva de
Alfazema, composto por fantasias clássicas, acompanhadas por carros e alegorias suntuosas, encantou.
No dia do desfile competitivo, a Escola levantou a arquibancada.
Agora, como Campeã do Carnaval, não poderia fazer diferente.
À frente da velha guarda, seu Alaor, de fraque e cartola, conduz Marizete pelo braço. Ela comanda a evolução das damas, que vêm com seus pares e sombrinhas dançantes. Os dois formam um belíssimo casal de mestre-sala e porta-bandeira.
No carro abre-alas, Lucia é o destaque. Atributos para tanto não lhe faltam, que beleza de menina, e que carisma.
Entra pulando em cima de um vidro de perfume que imita os peitos da cantora Madonna, referência a obra de um extravagante estilista francês. De tempos em tempos, a monumental embalagem borrifa água nos passistas e foliões, um luxo.
Picolé chama o refrão. Logo a platéia vai com ele. Um coro composto por milhares de vozes canta o samba enredo composto por Raimundo de Oliveira.
Sua voz embarga, mas ele continua levando sua Escola com sangue, suor e agora, lágrimas nos olhos.
Dora desfila no chão, fala no pé. Sempre acompanhada pelo Mestre, ostenta a faixa, o cetro e a coroa de Rainha da Bateria. Cadeiras soltas, cintura firme, pés ágeis, que sorriso, que simpatia, que beleza de mulher, e ainda samba. A branquela coloca muita mulatinha no chinelo.
O apito soa. Ordena o breque. Agora é com Osvaldo, que vem na coordenação. A bateria faz uma manobra perfeita, melhor até do que no dia da apresentação oficial. Entra no recuo e espera a Escola passar. Tudo sob o olhar atento do pai, que observa orgulhoso Osvaldo Júnior fazer, e bem, a sua vez na linha de frente.
A ala das baianas é formada pelas quituteiras e mulheres rendeiras de Cidade Baixa, que giram suas saias amarelas e fazem brotar um canteiro de girassóis em plena avenida.
Atrás da bateria, trazendo a ala infantil, Amália vem como coordenadora chefe. Ela é a principal responsável pelo timing e desenvolvimento perfeitos da Escola durante as duas apresentações.
Podem falar o que quiserem, mas a mulher acerta o passo e o compasso da moçada.
Ao apontar na apoteose, as crianças, que trazem nas mãos ramos de louros embebidos em seiva de alfazema e ungem a passarela, encerram um dos desfiles mais empolgantes que a Marquês de Sapucaí, desde que se chama assim, já viu.
De repente, alguém salta da multidão e cumprimenta Picolé. Aperta sua mão. Pelo aperto, Picolé reconhece Amâncio. O bicheiro, patrono da escola e marido de sua amante, ou Picolé é quem era amante da mulher de Amâncio. Fato é que os dois andaram se pegando e agora quem vivia para pegar Picolé era o poderoso bicheiro e seus capangas.
Pronto! Mais uma vez o corno, desgraçado arruinou o sonho de Picolé, que acordou suando e com o coração querendo saltar pela boca.
Aquilo não podia continuar. Todo Carnaval era a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, ir até o Rio de Janeiro parecia ser uma idéia um tanto idiota.
Ao chegar lá, procuraria por Dora, que levou com ela Lucia. A mulher ama sambar e freqüenta regularmente a quadra da Mangueira. Grã-fina daquele jeito, dona daquele rebolado, sempre acompanhada de uma belezura de menina, não seria difícil encontrá-la. Difícil seria convencê-la a subir o morro e ir falar com Dininho Boca Suja; pedir para que ele interviesse em seu favor junto a Amâncio.
Dininho, comerciante barra pesada por quem Dora fora apaixonada, tinha grande influência em uma das principais áreas franqueadas por Amâncio, que, com certeza, não só, mas também por isso, atenderia ao pedido de clemência.
- Já fiz coisa muito mais idiota do que isto e ainda estou aqui… Vivo!
Picolé pensou rápido e não mais do que uma única vez. Foi até o escritório, na verdade o estoque, se sentou em cima de uma caixa, empilhou outras duas que serviram de mesa para ele apoiar o pedaço de papel e escrever a carta em que dizia deixar o bar Samba do Crioulo Doido sob os cuidados de seu Alaor e Osvaldo.
Entregou a carta junto com as gravações de suas apresentações a Marizete para que tudo chegasse às mãos de seu Alaor.
Pegou apressado o trem, foi até a rodoviária mais próxima e tomou atrasado o ônibus para o Rio de Janeiro.
A noite que, até então, parecia normal e corriqueira, tomou ares de drama assim que Marizete chegou e entregou o pacote a Alaor.
Estavam lá: Osvaldo, que já colocara a mesa para o jantar. Júnior, que fazia seu dever de casa e Amália, que acabara de chegar da loja.
Seu Alaor abriu primeiro a carta. A idéia agradou, e muito, a Marizete, que agora além do salão, teria um bar dançante para receber suas clientes.
Como não poderia deixar de ser, desagradou Amália na mesma intensidade e proporção. Enquanto uma estava eufórica, a outra se encontrava a beira da histeria.
Osvaldo ficara encarregado de fechar tanto o caixa quanto o bar. O que implicava em Marizete ter que ficar em casa para preparar o jantar e cuidar de Júnior, situação até então inédita para ela.
Ninguém ali fazia a mínima idéia das conseqüências e confusões que a decisão estapafúrdia e a intempestiva atitude de Picolé trariam.
Osvaldo:- Bom, aconteça o que acontecer… Que Deus o proteja… E que ele consiga o que quer.
Seu Alaor:- O homem não abandona seu sonho. O sonho é que abandona o homem.
Os dois brindaram à coragem e insensatez do amigo.
Osvaldo e seu Alaor:- Grande Picolé!