Onde a festa nunca acaba.
Ressaca, a cidade toda parecia se sentir assim. O ano começou preguiçoso e o calor contribuía para desacelerar ainda mais o ritmo.
Durante o Natal, correu tudo bem. Dia 24, durante a tarde, foi distribuída toda a arrecadação do jogo beneficente, e a
meia-noite cada qual passou com sua família.
Foi na passagem do ano que a coisa complicou. A chegada de Dora tirou de vez a tranqüilidade de Amália, que não contava com o fato de sua amiga de infância conhecer, e tão bem, Marizete, sua madrasta.
A mulher ficou arrasada. Passou a estampar um sorriso amarelo de latente descontentamento. Bem diferente do passado, magnético, cheio de disposição e autoconfiança.
Pior ainda as coisas ficaram quando Lucia, filha de Marizete, chegou. A garota, um estouro de bonita, desistira da carreira de modelo e viera se aconselhar com a mãe.
A festa no Clube da Glória estava boa e comportada como sempre. Todo mundo bem vestido, a maioria de branco. Uns e outros arriscaram o azul, em busca de paz espiritual, ou o amarelo que, dizia a superstição, trazia dinheiro.
Comida farta, vestidos de baile, a banda da matriz tocando o repertório de sempre. Assim foi até que os fogos de artifício, vindos de Cidade Baixa, coloriram o céu chamando a atenção de Marizete, que teve uma idéia, digamos, iluminada.
A festa no clube estava muito desanimada para o que se espera de um réveillon, e desde que soube da existência do bar Samba do Crioulo Doido, a curiosidade começou a pinicá-la para não mais parar.
Logo após a contagem regressiva, Marizete fez seu pedido.
Marizete:- Alaorzinho, leva eu pra dançar... Tô com tanta vontade!
Seu Alaor:- Dançar?!
Marizete:- Vamos ao bar do seu amigo, o goleiro negão?!
Seu Alaor:- O Picolé! Você quer ir dançar lá no Samba do Crioulo Doido?
Marizete:- Ué, você não disse que é o único na região?! Então tem que ser lá mesmo.
Osvaldo, que andava entediado com as incessantes reclamações de Amália, se animou.
Osvaldo:- Boa idéia! Eu topo.
Amália:- Ficou louco?! Você dançando em Cidade Baixa… Você é pai de família Osvaldo, esqueceu?!
Osvaldo:- E o que tem uma coisa a ver com a outra?
Amália:- Vamos embora... A gente conversa em casa!
Osvaldo:- Eu vou com a Marizete conhecer o bar do Picolé.
Amália:- Papai…
Seu Alaor:- Vamos lá minha filha, você precisa relaxar um pouco.
Amália:- ...Até o senhor.
Seu Alaor:- Eu acho que ainda me lembro direitinho onde é.
O golpe fatal nas pretensões de Amália, que queria porque queria acabar com a festa, veio quando Dora e Lucia entraram na conversa.
Dora:- Quem falou em sambar? Eu topo!
Lucia:- Êba, eu também vou nessa.
Sem saber o que fazer nem o que dizer, Amália cochichou no ouvido de Osvaldo na tentativa de ganhar algum tempo.
Amália:- Olha só o assanhamento em que estão as duas... Acho que elas já beberam demais!
Osvaldo:- Pára com isso Amália, deixa as moças se divertirem.
Amália:- Moças? Moça, ali, eu só tô vendo uma!
Osvaldo:- Deixa de ser maldosa…
Dora:- Vamos Amália? A Marizete me falou de um tal de Picolé, um sambista de primeira, tô louca pra conhecer.
Amália:- Ai Dora, sabe o que é: eu acho que Cidade Baixa não é lugar pra gente como a gente. Quero dizer... Pra uma mulher assim... Como você.
Dora:- Agora que eu quero ir mesmo. Adoro lugares que não são pra gente como eu. Quem sabe o caminho? Eu dirijo.
Lucia:- U-hu!
Seu Alaor rapidamente se ofereceu para guiá-las.
Quando se deram conta, Marizete já tinha o microfone nas mãos e convidava a todos para que os seguissem.
A caravana vinda de Cidade Alta foi muito bem recebida pelo pessoal que se divertia como pré-adolescentes em dia de praia e pelada.
Dora mostrou o que aprendera em tantos carnavais passados no Rio de Janeiro.
A branquela quando sambava mudava de cor. Cadeiras soltas, cintura firme, pés ágeis, os braços estendidos saudando a todos que, boquiabertos, assistiam. Resultado de muitas noites varadas no berço sagrado do samba, o morro da Mangueira.
Lucia não sambava tão bem, mas não decepcionava não, afinal, o que tinha de bonita lhe bastava para encantar e abalar os princípios dos cavalheiros mais fiéis e renitentes.
Quem foi na deles, recebeu o ano novo cantando e dançando. Quem não foi, ouvia até hoje as lembranças e boas histórias daquela madrugada.
O Samba do Crioulo Doido, aos poucos, foi ganhando fama e começou a ser freqüentado pela terceira geração das mais tradicionais famílias de Cidade Alta.
Picolé virou celebridade. Seu bar tornou-se parada obrigatória para quem vinha de fora, ou não conhecia bem a região. Passou a figurar em guias turísticos e virou sinônimo de descontração e alegria. Até onde se podia ser célebre por aquelas bandas, Raimundo Picolé de Oliveira agora era.
Lucia e Dora se aproximaram e tornaram-se muito amigas. A alegria e juventude da garota era o que faltava para motivar Dora a retomar sua carreira de estilista.
Seu Alaor, Marizete, Osvaldo e Júnior levavam a vida numa boa. Pai e filho se divertiam de um lado, enquanto o casal brincava de outro. Amália se entregou de corpo e alma ao trabalho e nos últimos tempos andava num estresse danado.
Amália:- Osvaldo, de onde essas duas sirigaitas se conhecem? Eu sei que você sabe, trata de abrir o bico!
Osvaldo:- Querida, acho melhor você perguntar pro seu pai.
Amália:- Não me irrita mais do que eu já tô, Osvaldo! O que está acontecendo aqui? Que tipo de armação é essa?
Osvaldo:- Que armação? Você pirou de vez, é?! A Marizete e a mãe da Dora se conheceram lá no Rio de Janeiro, há muitos anos, e ficaram muito amigas. Perderam o contato e agora se reencontraram aqui. Tremenda coincidência, né?! A Dora é madrinha da Lucia, sabia? Como este mundo é pequeno!
Amália:- Chega, pára Osvaldo... Cala essa boca...
Osvaldo:- Ninguém mandou perguntar!
Enquanto isso, em Cidade Baixa o pessoal espanta a preguiça se preparando para o Carnaval, que pelo jeito, vai dar muito do que falar.
Durante o Natal, correu tudo bem. Dia 24, durante a tarde, foi distribuída toda a arrecadação do jogo beneficente, e a
meia-noite cada qual passou com sua família.
Foi na passagem do ano que a coisa complicou. A chegada de Dora tirou de vez a tranqüilidade de Amália, que não contava com o fato de sua amiga de infância conhecer, e tão bem, Marizete, sua madrasta.
A mulher ficou arrasada. Passou a estampar um sorriso amarelo de latente descontentamento. Bem diferente do passado, magnético, cheio de disposição e autoconfiança.
Pior ainda as coisas ficaram quando Lucia, filha de Marizete, chegou. A garota, um estouro de bonita, desistira da carreira de modelo e viera se aconselhar com a mãe.
A festa no Clube da Glória estava boa e comportada como sempre. Todo mundo bem vestido, a maioria de branco. Uns e outros arriscaram o azul, em busca de paz espiritual, ou o amarelo que, dizia a superstição, trazia dinheiro.
Comida farta, vestidos de baile, a banda da matriz tocando o repertório de sempre. Assim foi até que os fogos de artifício, vindos de Cidade Baixa, coloriram o céu chamando a atenção de Marizete, que teve uma idéia, digamos, iluminada.
A festa no clube estava muito desanimada para o que se espera de um réveillon, e desde que soube da existência do bar Samba do Crioulo Doido, a curiosidade começou a pinicá-la para não mais parar.
Logo após a contagem regressiva, Marizete fez seu pedido.
Marizete:- Alaorzinho, leva eu pra dançar... Tô com tanta vontade!
Seu Alaor:- Dançar?!
Marizete:- Vamos ao bar do seu amigo, o goleiro negão?!
Seu Alaor:- O Picolé! Você quer ir dançar lá no Samba do Crioulo Doido?
Marizete:- Ué, você não disse que é o único na região?! Então tem que ser lá mesmo.
Osvaldo, que andava entediado com as incessantes reclamações de Amália, se animou.
Osvaldo:- Boa idéia! Eu topo.
Amália:- Ficou louco?! Você dançando em Cidade Baixa… Você é pai de família Osvaldo, esqueceu?!
Osvaldo:- E o que tem uma coisa a ver com a outra?
Amália:- Vamos embora... A gente conversa em casa!
Osvaldo:- Eu vou com a Marizete conhecer o bar do Picolé.
Amália:- Papai…
Seu Alaor:- Vamos lá minha filha, você precisa relaxar um pouco.
Amália:- ...Até o senhor.
Seu Alaor:- Eu acho que ainda me lembro direitinho onde é.
O golpe fatal nas pretensões de Amália, que queria porque queria acabar com a festa, veio quando Dora e Lucia entraram na conversa.
Dora:- Quem falou em sambar? Eu topo!
Lucia:- Êba, eu também vou nessa.
Sem saber o que fazer nem o que dizer, Amália cochichou no ouvido de Osvaldo na tentativa de ganhar algum tempo.
Amália:- Olha só o assanhamento em que estão as duas... Acho que elas já beberam demais!
Osvaldo:- Pára com isso Amália, deixa as moças se divertirem.
Amália:- Moças? Moça, ali, eu só tô vendo uma!
Osvaldo:- Deixa de ser maldosa…
Dora:- Vamos Amália? A Marizete me falou de um tal de Picolé, um sambista de primeira, tô louca pra conhecer.
Amália:- Ai Dora, sabe o que é: eu acho que Cidade Baixa não é lugar pra gente como a gente. Quero dizer... Pra uma mulher assim... Como você.
Dora:- Agora que eu quero ir mesmo. Adoro lugares que não são pra gente como eu. Quem sabe o caminho? Eu dirijo.
Lucia:- U-hu!
Seu Alaor rapidamente se ofereceu para guiá-las.
Quando se deram conta, Marizete já tinha o microfone nas mãos e convidava a todos para que os seguissem.
A caravana vinda de Cidade Alta foi muito bem recebida pelo pessoal que se divertia como pré-adolescentes em dia de praia e pelada.
Dora mostrou o que aprendera em tantos carnavais passados no Rio de Janeiro.
A branquela quando sambava mudava de cor. Cadeiras soltas, cintura firme, pés ágeis, os braços estendidos saudando a todos que, boquiabertos, assistiam. Resultado de muitas noites varadas no berço sagrado do samba, o morro da Mangueira.
Lucia não sambava tão bem, mas não decepcionava não, afinal, o que tinha de bonita lhe bastava para encantar e abalar os princípios dos cavalheiros mais fiéis e renitentes.
Quem foi na deles, recebeu o ano novo cantando e dançando. Quem não foi, ouvia até hoje as lembranças e boas histórias daquela madrugada.
O Samba do Crioulo Doido, aos poucos, foi ganhando fama e começou a ser freqüentado pela terceira geração das mais tradicionais famílias de Cidade Alta.
Picolé virou celebridade. Seu bar tornou-se parada obrigatória para quem vinha de fora, ou não conhecia bem a região. Passou a figurar em guias turísticos e virou sinônimo de descontração e alegria. Até onde se podia ser célebre por aquelas bandas, Raimundo Picolé de Oliveira agora era.
Lucia e Dora se aproximaram e tornaram-se muito amigas. A alegria e juventude da garota era o que faltava para motivar Dora a retomar sua carreira de estilista.
Seu Alaor, Marizete, Osvaldo e Júnior levavam a vida numa boa. Pai e filho se divertiam de um lado, enquanto o casal brincava de outro. Amália se entregou de corpo e alma ao trabalho e nos últimos tempos andava num estresse danado.
Amália:- Osvaldo, de onde essas duas sirigaitas se conhecem? Eu sei que você sabe, trata de abrir o bico!
Osvaldo:- Querida, acho melhor você perguntar pro seu pai.
Amália:- Não me irrita mais do que eu já tô, Osvaldo! O que está acontecendo aqui? Que tipo de armação é essa?
Osvaldo:- Que armação? Você pirou de vez, é?! A Marizete e a mãe da Dora se conheceram lá no Rio de Janeiro, há muitos anos, e ficaram muito amigas. Perderam o contato e agora se reencontraram aqui. Tremenda coincidência, né?! A Dora é madrinha da Lucia, sabia? Como este mundo é pequeno!
Amália:- Chega, pára Osvaldo... Cala essa boca...
Osvaldo:- Ninguém mandou perguntar!
Enquanto isso, em Cidade Baixa o pessoal espanta a preguiça se preparando para o Carnaval, que pelo jeito, vai dar muito do que falar.