Carta Marcada.
Depois de embaralhar realidade e fantasia com os poucos curingas que oferece o baralho da existência, o destino lhe serviu a pior mão que se pode ter na mesa desta vida. Onde o jogo não tem hora para começar e as regras mudam no decorrer do período. Em que a única certeza que se tem é a de que um dia, em hora pré-determinada ou não, acabará.
Sem cacife ou qualquer outra coisa que pudesse apostar, porejava em desespero. Estava cada vez mais nervoso, alarmado e não podia deixar que ninguém percebesse.
Pensou em blefar e seguir no jogo, como viu tanta gente fazer e se dar bem. Teve sujeito que até enricar, enricou. Mas sua boca não permitia. Com os olhos, depois de várias sessões de treino diante do espelho, ele agora podia mentir. O problema eram os lábios que tremiam.
Parecia que, vinda de seu subconsciente, lhe sitiava uma inclemente vontade dizer a verdade, nada mais do que a verdade, desejo que se esforçava e continha entredentes. Seu rosto enrubescia, se contorcia e logo lhe atacava uma tosse dos diabos. Tique que usou para ganhar tempo e tentar se acalmar. Reclamou da fumaça, da idade que avançava e deixava seqüelas, mas ninguém lhe deu a menor atenção. Todos olhavam fixamente para as cartas que tinham em mãos.
Simular um ataque cardíaco. Simplesmente sair correndo sem olhar para trás. Suicidar-se ali mesmo, diante de todos, num ato épico, capaz de despertar compaixão até mesmo naqueles brutos. Ocorria-lhe de tudo, menos uma maneira digna, no mínimo honrosa, de safar-se daquela situação.
Pior que não era a primeira vez. De tempos em tempos a sobrevivência se propunha a lhe pregar uma peça. De quando em vez, fazia coisas sem saber porquê.
Ali, não sabia como tinha ido parar. Vasculhava a mente em busca de alguma lembrança que, por mais vaga que fosse, pudesse disparar o gatilho da memória e trazer à luz os fatos. O que de nada adiantava, pois não fazia mesmo a mínima idéia.
Difícil explicar, mas verdade é que bastava encontrar-se num tremendo aperto e logo algo acontecia que o arrochava ainda mais. Outra vez, arriscara o pescoço sem saber em nome de quem ou do quê.
Fitou novamente suas cartas na esperança de que sua vista o tivesse traído. Nada havia mudado. Foi então invadido pela certeza de que, dali, não sairia vivo.
O tempo se alongava. O ambiente denso e esfumaçado tornava seus pensamentos ainda mais babélicos.
- Eu passo!
Para espanto geral, o homem gordo, mal encarado, gritou e jogou as cartas sobre a mesa. Era ele o dono da casa e não costumava passar uma rodada assim... Sem tentar o blefe ou fazer algo para intimidar os parceiros.
- Para mim não vai dar.
- Eu sigo os companheiros e também passo.
Restavam agora somente ele e mais um. Este era o único que parecia ter algo em que valesse a pena apostar.
Agarrou-se às cartas como se delas dependesse sua própria vida. Encararam um ao outro. O homem se acovardou:
- Eu… Eu… Passo…
Incrédulo, ele cogitou solenizar vitória, mas logo o gordão se encheu e gritou:
- Puta que o pariu, nada mais se faz como antigamente, nem o carteado de domingo.
Esbravejou, tomou o último trago, levantou e saiu andando.
Sem cacife ou qualquer outra coisa que pudesse apostar, porejava em desespero. Estava cada vez mais nervoso, alarmado e não podia deixar que ninguém percebesse.
Pensou em blefar e seguir no jogo, como viu tanta gente fazer e se dar bem. Teve sujeito que até enricar, enricou. Mas sua boca não permitia. Com os olhos, depois de várias sessões de treino diante do espelho, ele agora podia mentir. O problema eram os lábios que tremiam.
Parecia que, vinda de seu subconsciente, lhe sitiava uma inclemente vontade dizer a verdade, nada mais do que a verdade, desejo que se esforçava e continha entredentes. Seu rosto enrubescia, se contorcia e logo lhe atacava uma tosse dos diabos. Tique que usou para ganhar tempo e tentar se acalmar. Reclamou da fumaça, da idade que avançava e deixava seqüelas, mas ninguém lhe deu a menor atenção. Todos olhavam fixamente para as cartas que tinham em mãos.
Simular um ataque cardíaco. Simplesmente sair correndo sem olhar para trás. Suicidar-se ali mesmo, diante de todos, num ato épico, capaz de despertar compaixão até mesmo naqueles brutos. Ocorria-lhe de tudo, menos uma maneira digna, no mínimo honrosa, de safar-se daquela situação.
Pior que não era a primeira vez. De tempos em tempos a sobrevivência se propunha a lhe pregar uma peça. De quando em vez, fazia coisas sem saber porquê.
Ali, não sabia como tinha ido parar. Vasculhava a mente em busca de alguma lembrança que, por mais vaga que fosse, pudesse disparar o gatilho da memória e trazer à luz os fatos. O que de nada adiantava, pois não fazia mesmo a mínima idéia.
Difícil explicar, mas verdade é que bastava encontrar-se num tremendo aperto e logo algo acontecia que o arrochava ainda mais. Outra vez, arriscara o pescoço sem saber em nome de quem ou do quê.
Fitou novamente suas cartas na esperança de que sua vista o tivesse traído. Nada havia mudado. Foi então invadido pela certeza de que, dali, não sairia vivo.
O tempo se alongava. O ambiente denso e esfumaçado tornava seus pensamentos ainda mais babélicos.
- Eu passo!
Para espanto geral, o homem gordo, mal encarado, gritou e jogou as cartas sobre a mesa. Era ele o dono da casa e não costumava passar uma rodada assim... Sem tentar o blefe ou fazer algo para intimidar os parceiros.
- Para mim não vai dar.
- Eu sigo os companheiros e também passo.
Restavam agora somente ele e mais um. Este era o único que parecia ter algo em que valesse a pena apostar.
Agarrou-se às cartas como se delas dependesse sua própria vida. Encararam um ao outro. O homem se acovardou:
- Eu… Eu… Passo…
Incrédulo, ele cogitou solenizar vitória, mas logo o gordão se encheu e gritou:
- Puta que o pariu, nada mais se faz como antigamente, nem o carteado de domingo.
Esbravejou, tomou o último trago, levantou e saiu andando.