Blog do Lulu 2.0

Friday, February 29, 2008

Transe.

Mais do que a realização de um sonho de menina, conhecer a terra de todos os santos, que abriga em suas entranhas o poder e os segredos dos Orixás, fazia parte de sua busca, da urgência esotérica que tomara o corpo e a alma de Tereza de uns tempos para cá.
Fez que fez até que o renitente marido acabou concordando. Ela então planejou tudo. Chegou o feriado, a data marcada e lá foram eles.
Chegaram na sexta, e, no sábado, por volta das dez da noite, o casal foi levado até o terreiro por uma filha da casa chamada Candinha, que trabalhava como recepcionista no hotel.
Ao se aproximarem, Tereza, atraída pelas vozes e pela música, soltou-se da mão de Alfredo e saiu correndo.
A sessão apenas começara. Ela chegou e logo entrou na ciranda. Parecia feliz como criança que brinca de roda.
O ritmo e o volume do batuque pareceram ter aumentado em razão de sua presença. Ela entrou na dança como se já soubesse tudo do riscado.
Em transe, convulsionava ao som dos atabaques e da cantoria. Seus cabelos, antes presos num coque, agora estavam soltos e molhados. O suor lhe porejava a testa. Uma brisa com perfume de alfazema tomou conta do ar e se misturou à fumaça dos charutos que fumegavam e tornavam a imagem de Tereza ainda mais diáfana.
Botando braços ora para cima, ora para baixo, adejava numa saudação frenética, ritmada. Ali, naquele instante, vivia seu momento de divindade. Para ela, a quem agora chamavam de Morena, abriu-se passagem. Como que encantada, rodopiava. Seus pés descalços, pequenos qual de anjo, pareciam não tocar o piso de terra batida.
As flores que lhe atiravam lambiam seu corpo. As peças de roupa sobrepostas não caiam ao chão simplesmente, pareciam deixar solenemente seu corpo como fazem as pétalas ao abandonar as flores as quais pertencem.
Cantou em dialetos raros e disse muitas coisas que não sabia que sabia. Saudou gente que nem imaginava que conhecia.
Já mareado de cachaça, fumo e de tanto que o balançavam quando lhe prestavam saudações, o homem chamou a mulher na chincha.
De repente, ela sentiu um puxão, tranco rude e insultoso que lhe despertou.
- Mulher, vamos embora... Te apressa vai?! Já dançou, se divertiu, se mostrou, apareceu, fez de tudo um pouco. Agora chega! Você já tá exagerando.
Num desses inexplicáveis desmazelos de memória, em meio ao silêncio que se fez no caminho de volta, a ela ocorreu a malevolente e tirânica pergunta:
- Onde será que eu estava com a cabeça quando me casei com esse cara?