O Número Dois.
Parecia que aquele seria um dia como outro qualquer. Saiu de casa no horário de sempre. Percorreu o mesmo caminho. Entrou debaixo da já conhecida marquise. Tomou posição e se preparou para a tão ansiada hora.
Momento só dele, em que ninguém o chama para brincar, o manda daqui para lá, nem joga algo para que ele pegue. Mas, como nada é perfeito, quando estava prestes a relaxar, foi interrompido de súbito.
- A senhora faça-me o favor de recolher o cocô do seu cachorro. Eu não suporto mais lavar essa bendita varanda todo santo dia.
A velhinha, dona do pobre coitado que já esperava com as patas de trás arriadas, não ouviu bem.
- O que foi minha filha?
- O cocô! A senhora trate de limpar a bosta do seu cachorro do jardim da minha casa.
- Mora aqui faz tempo, é?
- O suficiente pra me encher de recolher sujeira de bicho, que nem é meu, de cima das minhas azaléias.
- Sabe que você parece muito com a minha filha?
Percebendo que a situação se acalmara, ele aproveitou enquanto sua dona tratava de distrair a indignada vizinha.
- Minha filha também levanta assim: cedinho e mal-humorada que só ela… Também é alta, tem cabelo claro… De que signo você é?
- Touro!
- Minha filha é de Peixes. Mora aqui faz tempo, é?
- Não, mas a senhora pelo jeito faz. E muito!
- Desde que nasci. E... A mocinha mora sozinha?
Enquanto as duas se conheciam, o simpático animal não perdeu tempo para aliviar.
- Eu e meu marido nos separamos e eu vim morar nesta casinha branca, linda, para poder ter meu impecável jardim de azaléias.
- O amanhecer é bonito visto daqui, né mesmo?! Não importa quantos se veja, é sempre lindo… E sua varanda tem uma vista tão boa!
Ele então suspirou, se espreguiçou, esfregou as patas na grama e latiu, avisando que já tinha acabado.
- Olha lá! O puto cagou de novo no meu jardim! A senhora não trouxe nada pra pegar, né? Caraca! Espera aí que eu vou lá buscar.
Entrou correndo e irritada, enquanto, tranqüilamente, a dona e seu estimado amigo seguiram caminho.
Ao voltar com o saco plástico em mãos e não encontrar nem a velhinha, nem o animal, a mulher ficou furiosa. Saiu correndo e praguejando atrás dos dois.
O farol abriu, o carro acelerou. Ela atravessou. O carro freou.
Ela se assustou, o saco plástico caiu e estourou.
O motorista tomou um tremendo susto. Homem bonito, bem vestido e educado apressou-se em querer saber se algo havia acontecido. Desatou o cinto de segurança e saiu pronto a prestar-lhe assistência.
- Você está bem? Eu te machuquei?
Ela, com a voz trêmula de susto:
- Tudo… Tudo bem! Foi culpa minha. Eu atravessei sem olhar, me desculpe, viu?!
- Não, não, eu é quem estava desatento! É… E… Como eu posso ajudá-la? Pra onde você ia com tanta pressa?
Ao se aproximar, ele pisou. A tese de que homem é tudo a mesma merda caiu por terra abrupta e rapidamente, como costumam desmoronar os bloqueios e barreiras que edificamos para nos proteger. Em ato de puro reflexo, ela respondeu:
- Procurar meu cachorrinho! Eu saí pra ele... Sabe?!
O homem olhou para o sapato, que ainda brilhava de novo, e não evitou o tom irônico.
- Sei, sei como é: filhote dá um trabalho danado!
Sem graça, ela continuou:
- Aí, quando fui recolher a sujeira dele, ele fugiu. Eu saí correndo e atravessei sem olhar, me desculpe, que vergonha... Meu Deus...
- Calma! Vamos dar uma volta de carro pra ver se a gente encontra o bichinho. Eu levo você.
- Que tal – ela tratou de pensar rápido - a gente passar na minha casa primeiro? Olha lá: tá vendo ali? É aquela com jardinzinho de azaléias! Vamos lá para você limpar seu sapato.
- Mas e o cachorro?
- Pelo que eu conheço, ele volta. O máximo que pode acontecer é uma senhora muito simpática e boazinha, que mora no outro quarteirão, trazer ele até aqui.
Saíram juntos naquela e em muitas outras oportunidades.
O tempo a fez desistir e trocar o inviável jardim de azaléias por um invejável gramado japonês, que hoje decora a entrada da casa onde vive com o marido, o número dois.
Momento só dele, em que ninguém o chama para brincar, o manda daqui para lá, nem joga algo para que ele pegue. Mas, como nada é perfeito, quando estava prestes a relaxar, foi interrompido de súbito.
- A senhora faça-me o favor de recolher o cocô do seu cachorro. Eu não suporto mais lavar essa bendita varanda todo santo dia.
A velhinha, dona do pobre coitado que já esperava com as patas de trás arriadas, não ouviu bem.
- O que foi minha filha?
- O cocô! A senhora trate de limpar a bosta do seu cachorro do jardim da minha casa.
- Mora aqui faz tempo, é?
- O suficiente pra me encher de recolher sujeira de bicho, que nem é meu, de cima das minhas azaléias.
- Sabe que você parece muito com a minha filha?
Percebendo que a situação se acalmara, ele aproveitou enquanto sua dona tratava de distrair a indignada vizinha.
- Minha filha também levanta assim: cedinho e mal-humorada que só ela… Também é alta, tem cabelo claro… De que signo você é?
- Touro!
- Minha filha é de Peixes. Mora aqui faz tempo, é?
- Não, mas a senhora pelo jeito faz. E muito!
- Desde que nasci. E... A mocinha mora sozinha?
Enquanto as duas se conheciam, o simpático animal não perdeu tempo para aliviar.
- Eu e meu marido nos separamos e eu vim morar nesta casinha branca, linda, para poder ter meu impecável jardim de azaléias.
- O amanhecer é bonito visto daqui, né mesmo?! Não importa quantos se veja, é sempre lindo… E sua varanda tem uma vista tão boa!
Ele então suspirou, se espreguiçou, esfregou as patas na grama e latiu, avisando que já tinha acabado.
- Olha lá! O puto cagou de novo no meu jardim! A senhora não trouxe nada pra pegar, né? Caraca! Espera aí que eu vou lá buscar.
Entrou correndo e irritada, enquanto, tranqüilamente, a dona e seu estimado amigo seguiram caminho.
Ao voltar com o saco plástico em mãos e não encontrar nem a velhinha, nem o animal, a mulher ficou furiosa. Saiu correndo e praguejando atrás dos dois.
O farol abriu, o carro acelerou. Ela atravessou. O carro freou.
Ela se assustou, o saco plástico caiu e estourou.
O motorista tomou um tremendo susto. Homem bonito, bem vestido e educado apressou-se em querer saber se algo havia acontecido. Desatou o cinto de segurança e saiu pronto a prestar-lhe assistência.
- Você está bem? Eu te machuquei?
Ela, com a voz trêmula de susto:
- Tudo… Tudo bem! Foi culpa minha. Eu atravessei sem olhar, me desculpe, viu?!
- Não, não, eu é quem estava desatento! É… E… Como eu posso ajudá-la? Pra onde você ia com tanta pressa?
Ao se aproximar, ele pisou. A tese de que homem é tudo a mesma merda caiu por terra abrupta e rapidamente, como costumam desmoronar os bloqueios e barreiras que edificamos para nos proteger. Em ato de puro reflexo, ela respondeu:
- Procurar meu cachorrinho! Eu saí pra ele... Sabe?!
O homem olhou para o sapato, que ainda brilhava de novo, e não evitou o tom irônico.
- Sei, sei como é: filhote dá um trabalho danado!
Sem graça, ela continuou:
- Aí, quando fui recolher a sujeira dele, ele fugiu. Eu saí correndo e atravessei sem olhar, me desculpe, que vergonha... Meu Deus...
- Calma! Vamos dar uma volta de carro pra ver se a gente encontra o bichinho. Eu levo você.
- Que tal – ela tratou de pensar rápido - a gente passar na minha casa primeiro? Olha lá: tá vendo ali? É aquela com jardinzinho de azaléias! Vamos lá para você limpar seu sapato.
- Mas e o cachorro?
- Pelo que eu conheço, ele volta. O máximo que pode acontecer é uma senhora muito simpática e boazinha, que mora no outro quarteirão, trazer ele até aqui.
Saíram juntos naquela e em muitas outras oportunidades.
O tempo a fez desistir e trocar o inviável jardim de azaléias por um invejável gramado japonês, que hoje decora a entrada da casa onde vive com o marido, o número dois.