Ao Querido Doutor José.
Ele não é alto nem baixo, gordo nem magro. Também não é feio nem bonito.
O lugar comum é onde se sente realmente à vontade. A normalidade
é seu berço e a monotonia seu lazer.
Criticado, mal ou bem falado, não lhe interessa. Ele é assim, e assim não quer deixar de ser.
Enquanto isso, seus amigos de infância continuam fazendo de tudo para testar seus limites. Desafio que se torna cada vez mais arriscado
à medida que eles envelhecem. Como excelente observador e acompanhante que é, adora observar, filmar, fotografar e quando alguém sofre algum acidente, fratura, torção, ou simplesmente toma uns drinques a mais, ali está para ajudar.
Nada tem ele de especial. Seus cabelos não são claros nem escuros, nem lisos e nem crespos. Seus olhos não refletem tristeza nem tampouco brilham de alegria. Não é ignorante, desinteressado ou alienado, mas não abraça causa nenhuma.
Gosta de saber um pouco de tudo, mas sem se aprofundar em nada. Estudo aprofundado é impossível sem que se estabeleça contato íntimo com o lado mais obscuro do objeto ou fato a ser estudado, parte que ele prefere ignorar, então, o melhor mesmo foi acumular conhecimentos superficiais sobre quase todas as coisas se tornando assim um generalista para poder participar do início de quase todas as conversas, sobre quase todos os temas.
Desta maneira, suas considerações sempre acabam sendo ressaltadas como as mais razoáveis e convenientes, já que ninguém nunca lembra exatamente o que ele disse, muito menos em que momento e a que altura da discussão.
Conseguiu destaque onde trabalha graças ao seu muralismo. Nunca deixa claro se está de acordo ou não, se acha certo ou errado. Tática desenvolvida ao longo dos anos e que provou ser bem mais eficiente do que o silêncio, que costumava guardar e que o permitia seguir sempre a direção dos bons ventos.
Em família, é ele quem concorda com os mais velhos sem tirar a razão dos mais jovens, por isso, ao menor sinal de conflito ou discórdia entre gerações é imediatamente chamado.
Poucos sabem exatamente o que faz da vida, como vive, em que país, região, cidade ou bairro nasceu, mas ninguém parece se importar com isso. Para a grande maioria dos mortais, a origem diz quem você é e quem poderá vir a ser, o que não se aplica ao caso dele.
Seu passado desconhecido tornou-se uma espécie de mistério que só veio valorizar ainda mais sua figura.
O imaginário coletivo tratou de atribuir-lhe parentescos e ascendências com as quais ele nem sequer sonharia.
Uma corrente defendia que era descendente direto dos primeiros donos da empresa de exportação e importação da qual já era gerente. Outros diziam que era aparentado pelos investidores estrangeiros.
Graças ao seu jeito neutro de ser, é candidato a ocupar o cargo de vice, que rapidamente, todos apostam cegamente, o levará à presidência.
- Eu estou torcendo por aquele rapaz, o moço da gerência... Como é mesmo o nome dele?
- Aquele que não é bonito nem feio, nem alto nem baixo, nem gordo nem magro?! Também tô torcendo por ele.
- Gente fina! Não conheço não, mas só de olhar já dá pra ver que o cara é boa gente.
- Eu nunca ouvi falar dele: nem bem, nem mal!
- Eu também não.
Voz que se levantasse contra não foi ouvida. Nem os mais antigos e aguerridos pretendentes ao posto se atreveram a fazer oposição. Foi alçado à vice-presidência sem que ninguém tivesse coragem de lhe fazer frente.
Como previsto, logo desbancou o presidente assumindo de vez. Passados alguns anos, se aposentou e transformou-se em um mito, uma lenda, um exemplo a ser seguido.
É unanimidade, mesmo que ainda dê caldo para algumas conversas de corredor.
- Mas o quê exatamente fez esse homem para ir tão longe?
- Exatamente eu não sei, mas fez muita coisa.
- Coisa que não acaba mais!
- Por exemplo... Por exemplo...
- O conserto da calha, a reforma do refeitório, a divisão das vagas no estacionamento...
- ...E mais um montão de coisas.
- Não foi ele que publicou aquele artigo, naquela revista?
- Acho que foi ele mesmo.
- O cara é bom, muito bom!
Quando seu dia chegar, tem a absoluta certeza de que lá estarão familiares, antigos colegas de trabalho e também seus sucessores, que não saberão bem qual função desempenham na empresa, mas lamentarão a perda repetindo:
- Não se faz mais homem como ele.
Aos mais atentos e observadores dedicará o esclarecedor epitáfio, gravado em letras minúsculas, na lápide já encomendada e paga à vista: aqui jaz Zé Ninguém, desocupado e despreocupado como sempre esteve.
O lugar comum é onde se sente realmente à vontade. A normalidade
é seu berço e a monotonia seu lazer.
Criticado, mal ou bem falado, não lhe interessa. Ele é assim, e assim não quer deixar de ser.
Enquanto isso, seus amigos de infância continuam fazendo de tudo para testar seus limites. Desafio que se torna cada vez mais arriscado
à medida que eles envelhecem. Como excelente observador e acompanhante que é, adora observar, filmar, fotografar e quando alguém sofre algum acidente, fratura, torção, ou simplesmente toma uns drinques a mais, ali está para ajudar.
Nada tem ele de especial. Seus cabelos não são claros nem escuros, nem lisos e nem crespos. Seus olhos não refletem tristeza nem tampouco brilham de alegria. Não é ignorante, desinteressado ou alienado, mas não abraça causa nenhuma.
Gosta de saber um pouco de tudo, mas sem se aprofundar em nada. Estudo aprofundado é impossível sem que se estabeleça contato íntimo com o lado mais obscuro do objeto ou fato a ser estudado, parte que ele prefere ignorar, então, o melhor mesmo foi acumular conhecimentos superficiais sobre quase todas as coisas se tornando assim um generalista para poder participar do início de quase todas as conversas, sobre quase todos os temas.
Desta maneira, suas considerações sempre acabam sendo ressaltadas como as mais razoáveis e convenientes, já que ninguém nunca lembra exatamente o que ele disse, muito menos em que momento e a que altura da discussão.
Conseguiu destaque onde trabalha graças ao seu muralismo. Nunca deixa claro se está de acordo ou não, se acha certo ou errado. Tática desenvolvida ao longo dos anos e que provou ser bem mais eficiente do que o silêncio, que costumava guardar e que o permitia seguir sempre a direção dos bons ventos.
Em família, é ele quem concorda com os mais velhos sem tirar a razão dos mais jovens, por isso, ao menor sinal de conflito ou discórdia entre gerações é imediatamente chamado.
Poucos sabem exatamente o que faz da vida, como vive, em que país, região, cidade ou bairro nasceu, mas ninguém parece se importar com isso. Para a grande maioria dos mortais, a origem diz quem você é e quem poderá vir a ser, o que não se aplica ao caso dele.
Seu passado desconhecido tornou-se uma espécie de mistério que só veio valorizar ainda mais sua figura.
O imaginário coletivo tratou de atribuir-lhe parentescos e ascendências com as quais ele nem sequer sonharia.
Uma corrente defendia que era descendente direto dos primeiros donos da empresa de exportação e importação da qual já era gerente. Outros diziam que era aparentado pelos investidores estrangeiros.
Graças ao seu jeito neutro de ser, é candidato a ocupar o cargo de vice, que rapidamente, todos apostam cegamente, o levará à presidência.
- Eu estou torcendo por aquele rapaz, o moço da gerência... Como é mesmo o nome dele?
- Aquele que não é bonito nem feio, nem alto nem baixo, nem gordo nem magro?! Também tô torcendo por ele.
- Gente fina! Não conheço não, mas só de olhar já dá pra ver que o cara é boa gente.
- Eu nunca ouvi falar dele: nem bem, nem mal!
- Eu também não.
Voz que se levantasse contra não foi ouvida. Nem os mais antigos e aguerridos pretendentes ao posto se atreveram a fazer oposição. Foi alçado à vice-presidência sem que ninguém tivesse coragem de lhe fazer frente.
Como previsto, logo desbancou o presidente assumindo de vez. Passados alguns anos, se aposentou e transformou-se em um mito, uma lenda, um exemplo a ser seguido.
É unanimidade, mesmo que ainda dê caldo para algumas conversas de corredor.
- Mas o quê exatamente fez esse homem para ir tão longe?
- Exatamente eu não sei, mas fez muita coisa.
- Coisa que não acaba mais!
- Por exemplo... Por exemplo...
- O conserto da calha, a reforma do refeitório, a divisão das vagas no estacionamento...
- ...E mais um montão de coisas.
- Não foi ele que publicou aquele artigo, naquela revista?
- Acho que foi ele mesmo.
- O cara é bom, muito bom!
Quando seu dia chegar, tem a absoluta certeza de que lá estarão familiares, antigos colegas de trabalho e também seus sucessores, que não saberão bem qual função desempenham na empresa, mas lamentarão a perda repetindo:
- Não se faz mais homem como ele.
Aos mais atentos e observadores dedicará o esclarecedor epitáfio, gravado em letras minúsculas, na lápide já encomendada e paga à vista: aqui jaz Zé Ninguém, desocupado e despreocupado como sempre esteve.