Diálogo Interno.
Ninguém mais estranhava ao vê-lo falando sozinho. Na verdade, o menino passava os dias a murmurar. Quanta preocupação já despertara em seus familiares, colegas e conhecidos. Demorou muito a falar e pouco conversava com os outros. Já com ele mesmo, em pensamento, se agarrava em intermináveis e acirradas discussões e também em demoradas e amigáveis tertúlias. Só, já se sentia suficientemente acompanhado.
Conhecidos e curiosos se aproximavam, puxavam conversa, tentavam o impossível, participar daquele interminável solilóquio.
Sozinho, ele já havia dado novos rumos à humanidade. Ainda não tinha encontrado a salvação propriamente dita, mas sentia estar mais perto do que nunca. Não usava camisa de botões, pois estes pareciam estar sempre querendo se meter em seus pensamentos e nunca acrescentavam grande coisa.
Quando ainda era menino foi levado à igreja onde um padre disse que aquilo não era bom sinal. Após algumas severas sessões de exorcismo, o menino começou a murmurar também em latim.
Seus amigos imaginários eram das mais variadas raças e nacionalidades, mas tinham um dialeto comum.
Exames e mais exames foram feitos, por aqui e no exterior, mas nada foi constatado. Ao que tudo indicava, não existia motivo físico nem tampouco metafísico para tamanho recolhimento.
Juntas médicas e científicas estudaram à exaustão o caso do garoto, que agora já era um adolescente, e nada descobriram de anormal.
A família já esgotara todos os seus recursos e resolveu apelar para a mídia. Recorreu a um programa de auditório de uma emissora de grande audiência.
Juntaram uma pequena fortuna e partiram em busca de uma explicação, cura, qualquer coisa. Algo ou alguém que pudesse dizer o que tinha o menino, o que se passava com aquela pobre criatura.
Foram meses de testes e pesquisa. O menino foi isolado.
Novamente em maus lençóis e desta vez no estrangeiro, a família fez outro apelo. Desta vez, pediram ajuda à comunidade científica. Conseguiram hospital, acomodações, atendimento e medicamentos.
Acostumaram-se e no hospital passaram a viver. Foram anos e anos de vigília e insistente esperança, mas o menino, que já fora um rapaz e agora era um homem feito, parecia só se interessar pelo que ele mesmo tinha a dizer, mas não contava para ninguém.
Várias e revolucionárias técnicas foram usadas. Psicólogos, lingüistas, especialistas das mais diversas áreas foram consultados e o diagnóstico era sempre o mesmo: o menino é absolutamente normal.
Verdade que parentes e amigos também insistiam de que tudo não passava de coisa da cabeça deles, dos pais. Já estes teimavam que o problema era na cabeça dele, do filho, e assim anos se passaram.
Velhos e bons amigos deram lugar a novos conhecidos e também aos curiosos.
Ele, o adolescente que agora já era um homem, continuava calado aos ouvidos alheios, mas em sua cabeça nunca houve tanto e tão proveitoso movimento. Seu universo particular se transformara em uma espécie de salão dos nobres, onde gente do mais alto calibre intelectual e filosófico realizava animados encontros regados ao melhor vinho da terra.
Foi lá, no Olimpo de sua imaginação, onde viviam e conviviam seus verdadeiros Deuses, que ele ouviu Jorge Luiz Borges, o escritor argentino, dizer que a idéia de morte lhe provocava um cansaço ao qual chamava de estafa diária. Também foi em uma dessas reuniões que ouviu a frase que deu início ao movimento existencialista, dita por Jean Paul Sartre, em mais um arroubo de genialidade:
- A vida é um estado de pânico em um teatro em chamas.
Frase rebatida imediatamente pelo filósofo chinês Confúcio:
- Só pode ser feliz sempre quem vê o lado bom de tudo.
Que foi contestado pelo reconhecido escritor francês Gustav Flaubert:
- A felicidade é um monstro e quem a procura sempre recebe o justo castigo.
Confúcio não se conteve e retrucou com veemência:
- A euforia da riqueza confunde os conceitos de justo e injusto.
Distraído e mergulhado nas profundezas de seu subconsciente sombrio, Sartre, pensando alto, declamou:
- Vida, sinônimo concreto de desespero, sina dos aflitos.
Querendo dar novo rumo à conversa, exclamou um autoritário Leon Tolstoi:
- Viver para os outros! Não há outra maneira de ser feliz!
Aos olhos de todos deste mundo, o homem parecia ser mudo, autista, ou simplesmente matusquela. Mas em seus pensamentos fazia parte de uma reservada confraria de sábios e mecenas. Ainda que silenciosa, tinha absoluta certeza de que sua participação era percebida, principalmente quando esboçava um sorriso diante da afiada argumentação que se estabelecia em torno de alguns temas.
Ludwig Van Beethoven levantou a lebre:
- A música é uma ciência muito mais importante e reveladora do que a filosofia.
A frase mexeu com os brios de Betrand Russel que levantou voz em defesa da categoria:
- Você diz isso porque os artistas são, por definição, menos felizes e mais solitários do que nós, homens da ciência.
O tímido, e até então calado escultor Auguste Rodin, sentenciou:
- O verdadeiro artista é todo homem que realiza seu trabalho com amor e prazer. Seja qual for o trabalho.
Depois desta, restou-lhes assuntos mais mundanos. Desta vez, quem começou foi Napoleão Bonaparte:
- A única batalha que se ganha fugindo é contra as mulheres.
A esta, um risonho e divertido William Shakespeare emendou:
- A mulher pode até ter sido feita por Deus, mas foi temperada pelo diabo.
Ao ouvir tal afirmação, Platão, famoso por sua humildade, desdenhou:
- Deus é bom, mas não é o autor de todas as coisas, só daquelas que o homem acredita que Ele fez.
Ao sentir que a conversa enveredara por um caminho que para ele não tinha a menor graça, e ao ver sua entrada em mais uma clínica de medicina e cuidados experimentais ser recusada por causa de uma falha do computador, pensou com ele:
- Em um mundo onde a palavra não vale mais nada, e-mail virou código de honra.
Pensou, sorriu, falou e decidiu seguir calado por mais um bom tempo.
Conhecidos e curiosos se aproximavam, puxavam conversa, tentavam o impossível, participar daquele interminável solilóquio.
Sozinho, ele já havia dado novos rumos à humanidade. Ainda não tinha encontrado a salvação propriamente dita, mas sentia estar mais perto do que nunca. Não usava camisa de botões, pois estes pareciam estar sempre querendo se meter em seus pensamentos e nunca acrescentavam grande coisa.
Quando ainda era menino foi levado à igreja onde um padre disse que aquilo não era bom sinal. Após algumas severas sessões de exorcismo, o menino começou a murmurar também em latim.
Seus amigos imaginários eram das mais variadas raças e nacionalidades, mas tinham um dialeto comum.
Exames e mais exames foram feitos, por aqui e no exterior, mas nada foi constatado. Ao que tudo indicava, não existia motivo físico nem tampouco metafísico para tamanho recolhimento.
Juntas médicas e científicas estudaram à exaustão o caso do garoto, que agora já era um adolescente, e nada descobriram de anormal.
A família já esgotara todos os seus recursos e resolveu apelar para a mídia. Recorreu a um programa de auditório de uma emissora de grande audiência.
Juntaram uma pequena fortuna e partiram em busca de uma explicação, cura, qualquer coisa. Algo ou alguém que pudesse dizer o que tinha o menino, o que se passava com aquela pobre criatura.
Foram meses de testes e pesquisa. O menino foi isolado.
Novamente em maus lençóis e desta vez no estrangeiro, a família fez outro apelo. Desta vez, pediram ajuda à comunidade científica. Conseguiram hospital, acomodações, atendimento e medicamentos.
Acostumaram-se e no hospital passaram a viver. Foram anos e anos de vigília e insistente esperança, mas o menino, que já fora um rapaz e agora era um homem feito, parecia só se interessar pelo que ele mesmo tinha a dizer, mas não contava para ninguém.
Várias e revolucionárias técnicas foram usadas. Psicólogos, lingüistas, especialistas das mais diversas áreas foram consultados e o diagnóstico era sempre o mesmo: o menino é absolutamente normal.
Verdade que parentes e amigos também insistiam de que tudo não passava de coisa da cabeça deles, dos pais. Já estes teimavam que o problema era na cabeça dele, do filho, e assim anos se passaram.
Velhos e bons amigos deram lugar a novos conhecidos e também aos curiosos.
Ele, o adolescente que agora já era um homem, continuava calado aos ouvidos alheios, mas em sua cabeça nunca houve tanto e tão proveitoso movimento. Seu universo particular se transformara em uma espécie de salão dos nobres, onde gente do mais alto calibre intelectual e filosófico realizava animados encontros regados ao melhor vinho da terra.
Foi lá, no Olimpo de sua imaginação, onde viviam e conviviam seus verdadeiros Deuses, que ele ouviu Jorge Luiz Borges, o escritor argentino, dizer que a idéia de morte lhe provocava um cansaço ao qual chamava de estafa diária. Também foi em uma dessas reuniões que ouviu a frase que deu início ao movimento existencialista, dita por Jean Paul Sartre, em mais um arroubo de genialidade:
- A vida é um estado de pânico em um teatro em chamas.
Frase rebatida imediatamente pelo filósofo chinês Confúcio:
- Só pode ser feliz sempre quem vê o lado bom de tudo.
Que foi contestado pelo reconhecido escritor francês Gustav Flaubert:
- A felicidade é um monstro e quem a procura sempre recebe o justo castigo.
Confúcio não se conteve e retrucou com veemência:
- A euforia da riqueza confunde os conceitos de justo e injusto.
Distraído e mergulhado nas profundezas de seu subconsciente sombrio, Sartre, pensando alto, declamou:
- Vida, sinônimo concreto de desespero, sina dos aflitos.
Querendo dar novo rumo à conversa, exclamou um autoritário Leon Tolstoi:
- Viver para os outros! Não há outra maneira de ser feliz!
Aos olhos de todos deste mundo, o homem parecia ser mudo, autista, ou simplesmente matusquela. Mas em seus pensamentos fazia parte de uma reservada confraria de sábios e mecenas. Ainda que silenciosa, tinha absoluta certeza de que sua participação era percebida, principalmente quando esboçava um sorriso diante da afiada argumentação que se estabelecia em torno de alguns temas.
Ludwig Van Beethoven levantou a lebre:
- A música é uma ciência muito mais importante e reveladora do que a filosofia.
A frase mexeu com os brios de Betrand Russel que levantou voz em defesa da categoria:
- Você diz isso porque os artistas são, por definição, menos felizes e mais solitários do que nós, homens da ciência.
O tímido, e até então calado escultor Auguste Rodin, sentenciou:
- O verdadeiro artista é todo homem que realiza seu trabalho com amor e prazer. Seja qual for o trabalho.
Depois desta, restou-lhes assuntos mais mundanos. Desta vez, quem começou foi Napoleão Bonaparte:
- A única batalha que se ganha fugindo é contra as mulheres.
A esta, um risonho e divertido William Shakespeare emendou:
- A mulher pode até ter sido feita por Deus, mas foi temperada pelo diabo.
Ao ouvir tal afirmação, Platão, famoso por sua humildade, desdenhou:
- Deus é bom, mas não é o autor de todas as coisas, só daquelas que o homem acredita que Ele fez.
Ao sentir que a conversa enveredara por um caminho que para ele não tinha a menor graça, e ao ver sua entrada em mais uma clínica de medicina e cuidados experimentais ser recusada por causa de uma falha do computador, pensou com ele:
- Em um mundo onde a palavra não vale mais nada, e-mail virou código de honra.
Pensou, sorriu, falou e decidiu seguir calado por mais um bom tempo.