Blog do Lulu 2.0

Thursday, November 18, 2010

Curto & Grosso.

- Cássia, pede o café e a conta.
- O quê?
- O café! Pede um café curto, a conta e vamos embora.
- Eu? Eu não... Isso é coisa de homem, Rodolfo!
- Pô, não enrola vai... Eu vou ficar aqui com o braço levantado horas, parecendo um menino pedindo para ir ao banheiro, o garçom vai fingir que não me vê. Eu vou acabar irritado, vai dar encrenca, não vou querer pagar porcaria de dez por cento para ninguém... Você sabe como é que funciona... Por favor, não complica, levanta o braço, dá um sorrisinho, que o cara vem correndo.
- Amore, você tá com medo de se sentir rejeitado?! Não fica assim, não... Não pode! Rodolfo, você tem que fazer alguma coisa, tem que superar isso, reagir... Voltar para terapia ia te fazer tão bem.
- Cássia, esse papo de novo não! Por favor, uma vez na vida, faz o que eu tô pedindo sem discutir nem reclamar: pelo amor de Deus, pede o café e a conta.
- Ôh amore, a gente não pode generalizar, não é só porque o seu sócio resolveu se separar e vocês quase faliram e porque minha irmã mais velha resolveu montar uma banda cover do Village People; não é só por causa disso que terapia não resolve, não presta... É que coincidiu. Verdade que foram próximas e terríveis, mas meras coincidências! Eu por exemplo: estou ótima! E a mamãe, então... Você viu como ela melhorou? E olha que o papai se mandou com a mulher do psiquiatra dela!
- Garçom, por favor: um café curto e a conta!
- Rodolfo, o que é isso? Fala baixo… Tá todo mundo olhando!
- Todo mundo menos o infeliz do garçom.
Falou e começou a adejar os braços como o náufrago que tenta chamar a atenção da nau distante.
- Garçom, eu, olha aqui, ó… Olhou heim?! Finalmente… Então, o café e a conta… Café curto, por favor… E rápido! Expresso, sabe qual é? Aquele que sai rapidinho...
- Rodolfff...
- Eu te avisei!

Saturday, October 31, 2009

Amigo é para cada coisa.

Três horas e dezoito minutos apontava o relógio quando o interfone tocou.
- Alô!
- Alô, aquele amigo do senhor tá aqui embaixo.
- Fala pra ele subir.
- Ele não quer, disse que é pro senhor descer.
- Mas são mais de três da manhã?!
- Eu acho melhor o senhor descer. O homem não tá bom não.
- Pede pra ele esperar.
Calça, camisa, sapato, cadê a chave da porta? Aqui, achei. Carteira e chave do carro... Não, não precisa. Chama o elevador. Tranca a porta. Cadê a chave? Achei - desceu apressado.
- O que você tá fazendo aqui à essa hora?
- Ela foi embora.
- Ah, é isso! Mais cedo ou mais tarde ela ia mesmo, cansou de te avisar.
- Mas ela foi mesmo, se mandou. Avisar, falar, esbravejar, chorar é uma coisa; coisa de mulher. Já ir embora, se mandar é completamente diferente.
- Cara, você passou anos e anos aprontando, nunca deu bola pra isso, sempre disse: o dia em que acontecer, acontecido estará. E todo mundo falando, avisando, dizendo que as coisas não são bem assim.
- Nada disso justifica a destrambelhada, a maluca, a desvairada, levar minha filha, minha menina pra casa da jararaca da mãe dela. Jararaca é pouco, pra casa daquela víbora.
- Você queria que ela fizesse o quê? Deixasse a menina sozinha, te esperando chegar da farra...
- Mas eu sempre cheguei.
- O problema sempre foi de onde, a que horas e o estado.
- Besteira.
- Para você. Quisesse ficar na noite, tivesse ficado solteiro, que nem eu.
- Quê foi, heim?! Tá do lado dela, é?!
- Não, só tô tentando fazer você entender que pisou na bola, passou da conta, abusou.
- Mas foi só um pouquinho… Pô, ela me deixou, eu tô tristão.
- Não tô falando de hoje, tô falando de uma vida.
- Cara... Você tem a maior paciência comigo, né?
- Há muitos anos.
- Você é um amigão. É meu melhor amigo.
- Pára com isso, vai.
- Dá um abraço.
- Sai para lá.
- Tá vendo? Todo mundo me rejeita, ninguém gosta de mim.
- Ai caramba!
- Me dá um abraço vai, de amigo. Tô tão carente!
- São quase quatro da manhã e eu vou ficar aqui, abraçando homem na porta da minha casa?! Tô fora.
- Pô, mas é abraço de amigo, de irmão, por favor.
- Vamos lá pra cima, você toma mais uma para esquecer e dorme. Amanhã é outro dia, quer dizer, hoje. Hoje já é outro dia.
- Mas antes eu quero um abraço.
- Pára com isso.
- É pra ter certeza.
- Certeza de quê?
- De que você é meu amigo de verdade mesmo. De que não tá fazendo isso só por piedade.
- Meu irmão, deixa de frescura e vamos subir logo.
- Primeiro me dá um abraço.
- Tá bom vai, vem cá.
Neste exato momento, a rapaziada que volta da balada passa de carro, põe a cabeça para fora da janela e grita em coro.
- Aí, boiola! Beija, beija, beija!
- Viu que puta vexame? Tá feliz agora?
- Agora tô.
- Vai, entra logo, vamos subir.
- Cara, eu acho que te amo.
- Cala essa boca!
Roupa de cama, lençol, cobertor, travesseiro, onde será que tem travesseiro? Travesseiro, travesseiro, travesseiro, aqui, achei! Falta alguma coisa… Ah, que se dane – discutiu com ele.
- Toma, deita aí no sofá e vê se me deixa dormir.
- Dá um beijo de boa noite...
- Ora rapaz, vai te catar...
- Já tá parecendo minha mulher, me põe pra dormir no sofá e não dá nem boa noite.

Wednesday, September 30, 2009

A Ladra.

Antes mesmo do verbo, a prosa era em verso. Assim fez-se a poesia que entusiasma a moça e a faz se apurar ao receber o presente. Não pelo que a caixa contém e sim pelo conteúdo do cartão. Um Neruda, um Pessoa, um Drummond, um Lorca, um Alberti, um Vinicius, Clarice, Coralina ou um trecho de Chico, não importa, a estrofe surrupiada é passada para frente pela cotação do original.
Amiga do rapaz enamorado, mulher belíssima de cabelos longos, olhos ferinos e andar de passarela, a moça é também amiga dos livros. Declina-se em afeto por cada um deles. Apreço que não nutre pelos autores dos mesmos. A esses considera apenas instrumentos, e muitas vezes mal antepostos, que seguem a própria escrita, se perdem em um rebojo de desilusões e acabam por não honrar, ao menos em vida, tamanha graça.
Gente a quem agrada o rude do sofrimento e da desesperança, que denuncia a aridez da espera diante do que amamos em segredo, que tem propensão para o desengano e admiração pelo crepúsculo. Um bando de traídos e ultrajados, abismo abstrato de fantasias que a tristeza domina com mãos de ferro.
O poder de escolher palavras como se fossem pérolas e colocá-las uma ante a outra, transformando o que até então não era nada em preciosidades de valor incalculável, tal dom, não se pode, ou não se deveria dadivar àqueles de vidas avessas, beberrões, viciados, muitas vezes de conflitantes e duvidosas crenças e preferências.
Definitivamente não! Até para a licença poética deve haver limites. A esmagadora maioria não merece tamanha divícia.
Diz ela saber mais da arte de poetar do que qualquer um deles e que roubar-lhes é sua doce vingança. Afirma e reitera, sempre quando possível, que poetas de verdade são aqueles que vendem o que escrevem. E não uns e outros que escrevem só o que vende.
Na ponta da língua está também o ponto final para qualquer turra ética ou duelo moralista:
- O poeta é apenas um meio de ver. Quem a ele confere a habilidade de enxergar aquilo que os outros não vêem sou eu,
a Rima.

Monday, August 31, 2009

O Bem da Verdade.

Já não sabia mais para onde correr, o que dizer e muito menos o que ou como fazer. Sua vida se convertera em um ciclo vicioso do qual não conseguia se desvencilhar.
Muito daquilo em que acreditava já havia se provado quimérico. De seu tempo não era mais dono, de sua vontade não era mais senhor.
Entre amores frustrados, rancores e outras dores, escolheu a reclusão. Buscava em si mesmo e na pura observação do alheio, respostas para tantas perguntas mal formuladas, que não dividia com ninguém, que talvez só interessassem a ele mesmo.
Dúvidas existenciais, questões pessoais e distúrbios emocionais alimentavam a impiedosa e envolvente melancolia, que o abraçava sorrateiramente enquanto ele vasculhava a memória, fuçava seu baú de lembranças, procurava a ponta do apertado nó que se lhe havia atado e tomado o lugar da garganta.
Logo ele que até há pouco era tido como a alegria da turma, o piadista, aquele que sempre sacava mais rápido, que dispunha da imperial coragem e do desprendimento necessário para capitanear as armações que seus colegas idealizavam.
Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo e nem se atrevia a perguntar. A verdade, nesse caso, não parecia capaz de fazer bem a ninguém.

Thursday, July 23, 2009

Entre o dever e a necessidade.

Quantas não eram as situações indesejáveis pelas quais já havia passado. Incontáveis para ele que preferia não contabilizá-las a ter a absoluta certeza de que sempre saíra no prejuízo.
Talvez fosse essa a única forma de autopreservação possível.
Extensa e de aparência intransponível também era a distância que o separava de tudo aquilo com que tanto havia sonhado para si, de bom e de ruim.
Uma vida rápida seguida por uma morte breve – live fast, die young - algo assim estava programado para caso os seus sonhos de grandeza se provassem de árdua e improvável realização, como de fato aconteceu.
Mas, não foi só a vida que lhe fugiu ao controle. Ao trair aquelas que eram suas derradeiras convicções, a morte também escapou do seu raio de ação.
Há de se ter alguma honra, de se preservar algo de digno até para ser um suicida, figurar no seleto clube do qual fazem parte personagens históricos, celebridades e festejadas personalidades.
Uma confraria que não aceita qualquer um como sócio. É destinada apenas aqueles que amam a vida de maneira tão desesperada, que são incapazes de praticá-la limitados pelo castrador sentimento que é a insatisfação.
Castigo para almas banidas, lôbrega masmorra existencial é a equação que envolve tempo, espaço, determina e se interpõe entre o dever e a necessidade.
Lugar onde homens cheios de si choram feito meninos. Assassinos seriais sofrem de terror noturno. Condenados à morte agradecem, dão graças e elevam as mãos ao céu.
Campo minado onde é travada a guerra entre o hábito, esse algoz que nos faz achar normais situações as quais jamais suportaríamos. E a dignidade, que tenta a todo custo não se deixar perder. Território tantas vezes tomado e ocupado. Terreno arrevesado e cabalístico que dizem um dia ter estado também entre a cruz e a espada.

Monday, June 15, 2009

Dependentes.

- Olá, boa noite! Quer dizer: bom dia a todos. Meu nome é Dirceu e eu sou alcoólatra.
- Oi, meu nome é Roberta. Eu sou pedagoga e viciada em remédios.
- Diz aí galera! Meu nome é Douglas, sou apresentador de TV e dependente químico.
- Então gente boa, eu sou o Zé. Liberal, naturista, só vim parar aqui por que inventaram que estou viciado em umas ervas aí.
- Independência ou morte! Eu sou Dom Pedro I.
- Ôh meu camarada, tu tá na sala errada. A dos malucos é no final do corredor. Aquela ali, ó… Tá vendo o Napoleão lá na porta?!
- Mas vocês não são todos doidões?
- Verdade, a gente é sim! Mas tá aqui… Tentando melhorar, se livrar do vício. É difícil. A parada é dura e o processo, lento.
- Eu sei bem como é isso: independência ou morte!
- Mas acho que o seu caso não é bem esse não.
- Como não?! Você mesmo acabou de me chamar de maluco e dizer que aqui é a sala dos doidões.
- Mas é outro tipo de maluquice.
- Opa! Isso é discriminação, crime federal e inafiançável. Aos olhos da lei, maluco é tudo igual e acabou, ponto final.
- É, sob esse ponto de vista, o amigo até que tem lá seu quinhão de razão.
- Razão?... Um cara que acha que é Dom Pedro Primeiro tem razão agora?
- E você?! Quem tá pensando que é para falar comigo desse jeito?
- Eu?! Eu sou o cara que vai quebrar...
- Para, para tudo. Você quer saber quem ele é de verdade ou quem ele pensa que é? Porque são duas coisas totalmente diferentes: uma é a realidade e outra, o personagem.
- Xi meu amigo, acho que você também tá em sala errada. Vocês tão vendo aquele cara ali de camisolão, sandálias, barba e cabelos compridos? Então, por que os dois não vão até ali trocar uma idéia com ele? Só vai fazer bem, podem confiar em mim!

Tuesday, March 31, 2009

Que língua é essa?

Profissional respeitado no mundo das letras, alto executivo de uma conceituada editora, o homem andava mordido de preocupação.
A tal Reforma Ortográfica, tão desacreditada por ele, saiu e já estava gerando custos extras, despesas essas cuja tendência de crescimento era clara e certa.
De lá para cá e de cá para lá, andava em busca de um vislumbre, de um achado para compensar os gastos gerados pela Nova Ortografia - quem diria - pensava com desdém.
Resolveu fazer como há muito não fazia. Sair simplesmente para ver quem andava por lá. Observar a vida alheia pode ser um bom remédio para quando se tem essa espécie de bloqueio, esse embargo que o cérebro e a lucidez declaram aos nossos pensamentos.
Traçou uma estratégia segura. Ir ao mesmo bar, sentar-se à mesma mesa, falar com o mesmo garçom e assim encontrar uma zona confortável, de onde pudesse observar o comportamento da turma, ou galera, como agora o pessoal diz.
Chegou ao lugar que um dia foi o de sempre e que não parecia ser o mesmo. Também não encontrou Índio, o bom homem de traços fortes e distintos que por anos o serviu. Mas sua mesa continuava lá, bem posicionada. Chamou pelo vinho da casa, que, para sua surpresa, também continuava sendo o mesmo.
Dos antigos amigos e assíduos frenquentadores, ninguém deu as caras. O que lhe chamou a atenção e provocou sua curiosidade foram as turmas e os casais de jovens que chegavam. Todos pareciam muito animados, ou já embalados, como antigamente a moçada dizia.
Quando um dos casais sentou-se à mesa de número quinze, logo ao lado da sua, ele vibrou. Dali, daquela posição, conseguia ver quem entrava e saía da casa e ainda ouvir bem as conversas que se desenrolavam ao seu redor. Pediu mais uma taça e tratou de aguçar os sentidos.
Logo, um amigo deles chegou e sentou-se:
- E então Joe, belê?
- Tudo firmê, Joe!
- E lá?
- Suave!
- Somente... E a parada, rolou?
- Qual delas? Qual das paradas?
- Aquela do Jordão, tá ligado?!
- Só tô, mas nem sei. A parada do Thiago tá pra rolar.
- Será? Tão falando dessa parada aí faz a maior cara e nada!
- Mas parece que agora vai. O auê já tá em pé... Dessa vez alguma coisa deve virar.
Resolveu pedir mais uma e continuar a seguir o papo. Hora ou outra ele haveria de pegar o fio da meada.
- E aquela outra parada lá, no que deu?
- Qual delas? Qual das paradas?
- Aquela mais sinistra?
- Ah, morreu.
- E ficou por isso mesmo?
- Suave!
- Somente... Bom meu velho, tô dando linha.
- Segura a onda aí, tá cedo ainda.
- Posso não, tenho umas paradas pra ver.
- Então firmê! Na madrú, entra lá pra gente tecê, quero te contar uma fita que rolou aí.
- Se pá... Cola lá no pico mais tarde, ôh!
- Nem vai rolar, Joe.
- Belê então, Joe... Até mais!
Apressou-se em pedir e pagar a conta. Reagiu prontamente ao impulso de seguir o rapaz. Tinha que descobrir do que se tratava, do que eles estavam falando.
Saiu tarde demais, o jovem havia desaparecido noite à dentro.
Durante o caminho de volta, decidiu lançar o Dicionário de Sinônimos e Expressões Idiomáticas mais completo que já fora editado em toda a América Latina. Dali para frente, passou também a defender a necessidade premente de se fazer uma ampla e cuidadosa revisão em nosso atual Sistema Fonético.