O País da Cara Feia.
Era uma vez um lugar lindo de morrer. Cheio de praias virgens e uma floresta incrível, uma não, várias.
A colorir o céu azul anil, pássaros cantando para lá e para cá. Fauna e flora viviam em paz e harmonia. Animais e plantas das mais raras e variadas espécies nasciam e cresciam naquela ilha tropical abençoada por Deus. Não fosse terra firme, poderia ser o próprio paraíso.
A ilha era tão grande, mas tão grande, que resolveram chamar de país.
O proprietário era o rei lá de Portugal. O filho dele, que era um tremendo bon vivant, veio tomar conta do latifúndio do velho.
Tudo caminhava as mil maravilhas até que a bruxa beijou o sapo, que a princesa é quem deveria ter beijado.
Foi aí que danou tudo. O bicho, em vez de virar príncipe, armou a maior quizumba. Personagens canhestros e valdevinos invadiram o nosso dia-a-dia e entraram, sem licença nem permissão, para o nosso populário.
Saíram da história para virar folclore. Nada pode ser mais surpreendente do que este período surrealístico que experimentamos. Saci-Pererê, Cuca, Curupira, Mula-Sem-Cabeça, Boi-Da-Cara-Preta, lobisomem, ninguém tem a menor chance, não dão nem para o cheiro.
Grande parte é culpa do tal sapo, que era para ser o bonzinho da história, mas acabou levando todo mundo para o brejo.
Verdade é que o encanto se quebrou e a ganância desfila soberana, fazendo pose de princesa. Homens mentem, se desonram, matam e morrem por causa dela.
Enquanto isso, um bando de bobos da corte e carochinhas solitárias, assiste a tudo passivo como a criança que, sonolenta, ouve incansável a cantiga de ninar.
A cara do país agora é amarrada, tem a testa franzida de desgosto, pés de galinha e rugas de preocupação. A cara do país agora é tapada por camisetas rasgadas e gorros surrados. Dela só se vê o sangue nos olhos.
O vilão apareceu até na televisão. Já o mocinho não deu nem sequer o ar de sua graça. O crime está cada vez mais organizado, os desfalques cada vez maiores. As falcatruas, os grandes golpes, favorecimentos e desmandos já se tornaram comuns. Acabou a magia, o feitiço da ousadia e do ineditismo.
A ex-terra do rei de Portugal virou terra de ninguém, terra de sem-terra.
Finalmente, a nação parece ter se assumido como sendo o Éden da desordem e do retrocesso.
Cara feia não é mais fome. Também é frio, abandono, doença, carência, medo, síndrome de abstinência.
Seria triste, não fosse patético e inacreditável. Seria de chorar de rir, não fosse ao vivo e em cores, essa fábula cheia de capítulos escusos e páginas negras a qual assistimos de cabelos em pé.
Neste ponto parou, leu e releu muitas e muitas vezes o que acabara de escrever. Nem ele mesmo entendeu aquele rompante. Tentou imaginar de onde havia tirado tantas palavras, algumas que nem conhecia. Mas isso não interessava, o importante era que ele começava a se sentir melhor.
Só uma coisa ainda o angustiava. A lembrança de sua professora, aquela do ginásio. Aquela que sempre dava nota baixa nas redações que escrevia. Naquela época, ele não entendia muito bem porque, mas agora sentia falta de um fecho, uma conclusão.
Andou de um lado para o outro. Levou horas refletindo, matutando. Gastou o assoalho, voltou ao teclado e arrematou:
Que país é este? É o País da Cara feia. Para quem gosta, um prato cheio.
Usou toda a tinta que restava na impressora e todo o papel que encontrou no almoxarifado. Imprimiu quantas e tantas cópias foram possíveis. Assinou uma por uma de próprio punho e jogou tudo pela janela do escritório em que trabalhava, no 19a andar, de um edifício com frente para a avenida Central.
Depois de mais um serão, voltou para casa tarde da noite. Deitou, puxou as cobertas, virou para o lado e teve sua melhor noite de sono em muitos e muitos anos.
A colorir o céu azul anil, pássaros cantando para lá e para cá. Fauna e flora viviam em paz e harmonia. Animais e plantas das mais raras e variadas espécies nasciam e cresciam naquela ilha tropical abençoada por Deus. Não fosse terra firme, poderia ser o próprio paraíso.
A ilha era tão grande, mas tão grande, que resolveram chamar de país.
O proprietário era o rei lá de Portugal. O filho dele, que era um tremendo bon vivant, veio tomar conta do latifúndio do velho.
Tudo caminhava as mil maravilhas até que a bruxa beijou o sapo, que a princesa é quem deveria ter beijado.
Foi aí que danou tudo. O bicho, em vez de virar príncipe, armou a maior quizumba. Personagens canhestros e valdevinos invadiram o nosso dia-a-dia e entraram, sem licença nem permissão, para o nosso populário.
Saíram da história para virar folclore. Nada pode ser mais surpreendente do que este período surrealístico que experimentamos. Saci-Pererê, Cuca, Curupira, Mula-Sem-Cabeça, Boi-Da-Cara-Preta, lobisomem, ninguém tem a menor chance, não dão nem para o cheiro.
Grande parte é culpa do tal sapo, que era para ser o bonzinho da história, mas acabou levando todo mundo para o brejo.
Verdade é que o encanto se quebrou e a ganância desfila soberana, fazendo pose de princesa. Homens mentem, se desonram, matam e morrem por causa dela.
Enquanto isso, um bando de bobos da corte e carochinhas solitárias, assiste a tudo passivo como a criança que, sonolenta, ouve incansável a cantiga de ninar.
A cara do país agora é amarrada, tem a testa franzida de desgosto, pés de galinha e rugas de preocupação. A cara do país agora é tapada por camisetas rasgadas e gorros surrados. Dela só se vê o sangue nos olhos.
O vilão apareceu até na televisão. Já o mocinho não deu nem sequer o ar de sua graça. O crime está cada vez mais organizado, os desfalques cada vez maiores. As falcatruas, os grandes golpes, favorecimentos e desmandos já se tornaram comuns. Acabou a magia, o feitiço da ousadia e do ineditismo.
A ex-terra do rei de Portugal virou terra de ninguém, terra de sem-terra.
Finalmente, a nação parece ter se assumido como sendo o Éden da desordem e do retrocesso.
Cara feia não é mais fome. Também é frio, abandono, doença, carência, medo, síndrome de abstinência.
Seria triste, não fosse patético e inacreditável. Seria de chorar de rir, não fosse ao vivo e em cores, essa fábula cheia de capítulos escusos e páginas negras a qual assistimos de cabelos em pé.
Neste ponto parou, leu e releu muitas e muitas vezes o que acabara de escrever. Nem ele mesmo entendeu aquele rompante. Tentou imaginar de onde havia tirado tantas palavras, algumas que nem conhecia. Mas isso não interessava, o importante era que ele começava a se sentir melhor.
Só uma coisa ainda o angustiava. A lembrança de sua professora, aquela do ginásio. Aquela que sempre dava nota baixa nas redações que escrevia. Naquela época, ele não entendia muito bem porque, mas agora sentia falta de um fecho, uma conclusão.
Andou de um lado para o outro. Levou horas refletindo, matutando. Gastou o assoalho, voltou ao teclado e arrematou:
Que país é este? É o País da Cara feia. Para quem gosta, um prato cheio.
Usou toda a tinta que restava na impressora e todo o papel que encontrou no almoxarifado. Imprimiu quantas e tantas cópias foram possíveis. Assinou uma por uma de próprio punho e jogou tudo pela janela do escritório em que trabalhava, no 19a andar, de um edifício com frente para a avenida Central.
Depois de mais um serão, voltou para casa tarde da noite. Deitou, puxou as cobertas, virou para o lado e teve sua melhor noite de sono em muitos e muitos anos.