Blog do Lulu 2.0

Sunday, July 02, 2006

À espera do futuro.

Ele estava ali parado há anos. Parentes próximos, distantes, amigos da família, ninguém nunca entendeu porque e nem teve coragem de perguntar.
Seu Carmelo passava os dias para lá e para cá em sua cadeira de balanço. Sentado ali, se divertia brincando com Pimpão, o vira latas ao qual deu o nome do palhaço que mais gostava na infância.
Foi de sua cadeira balangante que viu suas filhas crescerem, assistiu ao nascimento das netas e, dali mesmo, via as meninas, já crescidas, entrando e saindo.
Todo dia, o Aristides, que trabalha nas proximidades, descia do ônibus e, no caminho até o escritório, cruzava com o velho que, sentado em sua cadeira, balançava e esperava pacientemente.
A rua, que um dia fora tranqüila, hoje é movimentada e tem até hora do rush. Ele passava na ida, o senhor estava lá. Ele voltava e o homem continuava ali.
Com o tempo, aquilo começou a intrigar o Aristides. Enquanto as outras centenas de pessoas que passam por ali todos os dias nem mais o percebiam, pois para elas o velhinho já tinha virado paisagem, para Ari era diferente. Aquilo começou a irritá-lo, virou um tormento, uma obsessão. Até durante os fins-de-semana, estivesse indo para onde fosse, Ari passava por lá para ver se o velhote estava bem.
Chegava mais cedo, saia mais tarde do trabalho e seu Carmelo continuava ali, a balangar-se em sua cadeira.
-Depois do velho na cadeira de balanço à esquerda - uma vez se pegou usando o pobre como referência. Sem que Ari quisesse, seu Carmelo entrou e começou a fazer parte de sua vida. Verdade que sua figura invocava a memória de seus pais e avós já subidos, com quem se sentia em dívida, o que lhe atacava a culpa.
Um dia, Ari não se agüentou. Tinha que fazer algo para que aquilo parasse. Pediu licença, passou o portão e foi ter com o velhote. Perguntou quantos anos tinha. Ele disse que não se lembrava. Perguntou há quanto tempo estava ali. Seu Carmelo começou a fazer as contas. Usou os dedos das mãos, apelou para o lápis sem ponta com o qual fazia palavras cruzadas. Somou, multiplicou e nada. O número era enorme, ultrapassava em muito os dez que sabia contar.
O Aristides já estava ali mesmo e agora queria tirar aquilo a limpo de qualquer jeito. A imagem do velho balangante não saía de sua cabeça e o forçava a pensar no futuro, coisa de que ele não gosta nada, nada. É do tipo que repete para todo mundo que pode: viva o presente porque nunca se sabe o dia de amanhã.
Usou de toda sua pouca educação e delicadeza para tocar no assunto. Aproximou-se, agachou e foi logo perguntando.
- Me diz uma coisa: o que o senhor está fazendo aqui há tanto tempo?
- Estou esperando a vida passar. Mas pelo jeito ela não vem hoje não.
Depois disso, Ari achou melhor mudar de caminho. Passou a descer dois pontos depois e voltar, só para não cruzar mais com seu Carmelo balangando em sua cadeira e brincando com Pimpão.