O preço de uma vida.
Por destino ou ironia do mesmo, chegado o dia de sua tão ansiada promoção, Getúlio colocou em dúvida a razão de tanto querer.
Houve uma simpática comemoração oficial, promovida pela empresa, e todas as outras festividades informais cabíveis e possíveis nessas ocasiões.
A tal promoção era um momento esperado por ele, por sua família e até por seus colegas, que reconheciam a dedicação e o talento do quase futuro chefe.
A mulher e as filhas o esperavam para um jantar-surpresa, mas foi justo quando voltava para casa que a coisa pegou, que ele começou a ficar, digamos, perturbado.
Quanto vale uma vida? Incrível, mas aquela era a primeira vez em que se perguntava, encarando o rigor do espelho retrovisor.
Quanto vale uma vida? O homem era capaz de vender seguros de vida para deus e todo mundo. Moço, jovem, velho, atleta, sedentário, dizem até que uma vez vendeu uma apólice de valor altíssimo, um dos maiores contratos da história da companhia, para o pai de um recém-nascido, o que seria normal, o segurado não fosse o próprio recém-chegado, que veio ao mundo gordo, corado e gozando da mais perfeita saúde. Ainda não seria uma proeza não fosse o seguro um plano casado com uma respeitável previdência privada, modalidade criada por ele mesmo, um feito.
Vencer a tal aposta, ser o único a conseguir vender seguro de vida em berçário, o transformou em uma espécie de ícone dentro da corretora.
Quem poderia imaginar que o grande vendedor de seguros vagava pela cidade se perguntando quanto valia uma vida.
Vivia de pôr preço na vida dos outros. E a dele, em quanto ficava? E a de suas filhas?
Uma já é crescida. Como são diferentes as meninas de doze hoje em dia, pensava toda vez que parava para olhá-la. A mais nova, de oito, é extremamente simpática e afável, imaginava de quem ela teria herdado tal temperamento.
Quantas vidas como a dele valeriam aquelas meninas?
O pobre do Getúlio, a essa altura, suava atormentado. Passou seguidas vezes pela porta de sua casa sem conseguir parar. Pegou uma via expressa e continuou dirigindo sem rumo.
Foram anos e anos como assistente, vendedor, chefe de seção, gerente de seção e, bem na hora do filé, de assumir a gerência geral, lhe ataca a bendita, ou bem dizendo, a maldita consciência.
Pensou em Marta, mãe de suas filhas, única namorada e também única mulher que conheceu de verdade.
Quanto vale a vida de Marta? Quantas das minhas valem as vidas de minhas três? – Getúlio flertou com o desespero.
Fechou os olhos e respirou o mais fundo que pôde na tentativa de se acalmar.
A lembrança de seus inimigos, detratores e desafetos lhe veio à cabeça.
Quanto pagaria para dar fim à vida de cada um deles? Quanto valia a vida daqueles salafrários?
A cara dos ditos cujos aparecia, uma a uma, cada qual com o devido preço estampado na testa. Por alguns momentos, embriagou-se com sua própria vileza.
Foi o bastante, se distraiu, ficou parado dentro do carro tarde da noite, bateram no vidro.
- Aí tio, passa tudo e desce do carro.
Estático, Getúlio ficou olhando o rapaz encapuzado empunhando uma reluzente pistola.
- Tá a fim de morrer, doido?! Anda logo, isto aqui é um assalto! Passa tudo e sai do carro…
Entregou carteira, relógio, celular, pasta, palmtop, desatou o cinto de segurança e desceu lentamente. Quando o rapaz o empurrou, Getúlio não mais se conteve.
- Então pra você é isso o que eu valho? É isso o que vale a minha vida?
- Isso o quê, doido?! Vai, corre, dá pista e não olha para trás. Se eu não entregar esse carro pro patrão ainda hoje, já era, entendeu? Eu já era! Falou e passou o polegar estendido pela garganta.
Getúlio começou a avaliar cada item que lhe fora roubado, assim, ao final, saberia quanto sua própria vida valia.
Seguia a passos largos pela rua deserta quando foi abordado por uma viatura policial.
- Parado aí cidadão! Vindo de onde e indo para onde com tanta pressa?
Getúlio explicou o episódio ao homem de arma em punho. A família já havia prestado queixa do desaparecimento e o maior rebuliço tinha sido armado.
Enquanto a polícia verificava a autenticidade dos documentos e da história, ele seguia calculando o valor da própria existência.
Os oficiais conduziram Getúlio à delegacia da região para registrar ocorrência.
No caminho, queriam saber mais.
- Agrediram o senhor? Essa molecada não vale nada!
- Não é bem assim.
- Já vi tudo. É outro daqueles dos direitos humanos. Vocês são ricos, por isso não ligam quando são roubados. Ah, se fosse comigo...
- Ainda bem que não foi.
- Tô falando, o cara é um daqueles huma... Huma... Como que é mesmo, cidadão?
- Humanistas.
- Não te disse? Eu conheço o tipo!
Quando chegou à delegacia, sua mulher e suas filhas já o esperavam. Ao ver como elas reagiram ao saber que ele estava bem, Getúlio teve plena e absoluta certeza de que seria delas a melhor avaliação de sua vida.
Voltaram para casa, jantaram e foram dormir. Em conversa particular com seu conselheiro, o senhor travesseiro, ele concluiu que ninguém sabe quem é de verdade, que somos incapazes de nos auto-avaliar e que vivemos baseados no que achamos que somos. Tal conclusão lhe tirou o sono.
Em seu primeiro dia no novo posto, tratou de assegurar sua própria vida pelo valor que a mulher e as filhas achavam que ele tinha. Só depois de ter em mãos as apólices, Getúlio conseguiu voltar ao trabalho, e agora como Gerente Geral.
Houve uma simpática comemoração oficial, promovida pela empresa, e todas as outras festividades informais cabíveis e possíveis nessas ocasiões.
A tal promoção era um momento esperado por ele, por sua família e até por seus colegas, que reconheciam a dedicação e o talento do quase futuro chefe.
A mulher e as filhas o esperavam para um jantar-surpresa, mas foi justo quando voltava para casa que a coisa pegou, que ele começou a ficar, digamos, perturbado.
Quanto vale uma vida? Incrível, mas aquela era a primeira vez em que se perguntava, encarando o rigor do espelho retrovisor.
Quanto vale uma vida? O homem era capaz de vender seguros de vida para deus e todo mundo. Moço, jovem, velho, atleta, sedentário, dizem até que uma vez vendeu uma apólice de valor altíssimo, um dos maiores contratos da história da companhia, para o pai de um recém-nascido, o que seria normal, o segurado não fosse o próprio recém-chegado, que veio ao mundo gordo, corado e gozando da mais perfeita saúde. Ainda não seria uma proeza não fosse o seguro um plano casado com uma respeitável previdência privada, modalidade criada por ele mesmo, um feito.
Vencer a tal aposta, ser o único a conseguir vender seguro de vida em berçário, o transformou em uma espécie de ícone dentro da corretora.
Quem poderia imaginar que o grande vendedor de seguros vagava pela cidade se perguntando quanto valia uma vida.
Vivia de pôr preço na vida dos outros. E a dele, em quanto ficava? E a de suas filhas?
Uma já é crescida. Como são diferentes as meninas de doze hoje em dia, pensava toda vez que parava para olhá-la. A mais nova, de oito, é extremamente simpática e afável, imaginava de quem ela teria herdado tal temperamento.
Quantas vidas como a dele valeriam aquelas meninas?
O pobre do Getúlio, a essa altura, suava atormentado. Passou seguidas vezes pela porta de sua casa sem conseguir parar. Pegou uma via expressa e continuou dirigindo sem rumo.
Foram anos e anos como assistente, vendedor, chefe de seção, gerente de seção e, bem na hora do filé, de assumir a gerência geral, lhe ataca a bendita, ou bem dizendo, a maldita consciência.
Pensou em Marta, mãe de suas filhas, única namorada e também única mulher que conheceu de verdade.
Quanto vale a vida de Marta? Quantas das minhas valem as vidas de minhas três? – Getúlio flertou com o desespero.
Fechou os olhos e respirou o mais fundo que pôde na tentativa de se acalmar.
A lembrança de seus inimigos, detratores e desafetos lhe veio à cabeça.
Quanto pagaria para dar fim à vida de cada um deles? Quanto valia a vida daqueles salafrários?
A cara dos ditos cujos aparecia, uma a uma, cada qual com o devido preço estampado na testa. Por alguns momentos, embriagou-se com sua própria vileza.
Foi o bastante, se distraiu, ficou parado dentro do carro tarde da noite, bateram no vidro.
- Aí tio, passa tudo e desce do carro.
Estático, Getúlio ficou olhando o rapaz encapuzado empunhando uma reluzente pistola.
- Tá a fim de morrer, doido?! Anda logo, isto aqui é um assalto! Passa tudo e sai do carro…
Entregou carteira, relógio, celular, pasta, palmtop, desatou o cinto de segurança e desceu lentamente. Quando o rapaz o empurrou, Getúlio não mais se conteve.
- Então pra você é isso o que eu valho? É isso o que vale a minha vida?
- Isso o quê, doido?! Vai, corre, dá pista e não olha para trás. Se eu não entregar esse carro pro patrão ainda hoje, já era, entendeu? Eu já era! Falou e passou o polegar estendido pela garganta.
Getúlio começou a avaliar cada item que lhe fora roubado, assim, ao final, saberia quanto sua própria vida valia.
Seguia a passos largos pela rua deserta quando foi abordado por uma viatura policial.
- Parado aí cidadão! Vindo de onde e indo para onde com tanta pressa?
Getúlio explicou o episódio ao homem de arma em punho. A família já havia prestado queixa do desaparecimento e o maior rebuliço tinha sido armado.
Enquanto a polícia verificava a autenticidade dos documentos e da história, ele seguia calculando o valor da própria existência.
Os oficiais conduziram Getúlio à delegacia da região para registrar ocorrência.
No caminho, queriam saber mais.
- Agrediram o senhor? Essa molecada não vale nada!
- Não é bem assim.
- Já vi tudo. É outro daqueles dos direitos humanos. Vocês são ricos, por isso não ligam quando são roubados. Ah, se fosse comigo...
- Ainda bem que não foi.
- Tô falando, o cara é um daqueles huma... Huma... Como que é mesmo, cidadão?
- Humanistas.
- Não te disse? Eu conheço o tipo!
Quando chegou à delegacia, sua mulher e suas filhas já o esperavam. Ao ver como elas reagiram ao saber que ele estava bem, Getúlio teve plena e absoluta certeza de que seria delas a melhor avaliação de sua vida.
Voltaram para casa, jantaram e foram dormir. Em conversa particular com seu conselheiro, o senhor travesseiro, ele concluiu que ninguém sabe quem é de verdade, que somos incapazes de nos auto-avaliar e que vivemos baseados no que achamos que somos. Tal conclusão lhe tirou o sono.
Em seu primeiro dia no novo posto, tratou de assegurar sua própria vida pelo valor que a mulher e as filhas achavam que ele tinha. Só depois de ter em mãos as apólices, Getúlio conseguiu voltar ao trabalho, e agora como Gerente Geral.