Blog do Lulu 2.0

Tuesday, September 19, 2006

Não buzine. Gênio pensando.

Inegável que aquilo não era comum. Até para o divã ele já tinha levado o tema, mas só dentro daquele automóvel antigo, que tinha sido de seu pai, conseguia o que julgava ser o máximo em concentração.
Era ali, dentro do sedan dos anos 50, que costumava tomar as decisões que considerava imperativas. Aquele habitáculo era seu templo. Ali meditava, filosofava e tentava encontrar respostas para questões que o perturbavam e que, na opinião dele, eram indeclináveis para o futuro da humanidade. Sendo assim, se distraía com freqüência, vivia dando fechadas, cometendo as maiores imprudências e barbaridades no trânsito. Nada raro, encarava o maior bate-boca com um ou outro motorista mais exaltado.
Naquele domingo ele acordou mais cedo e inspirado. Passou rapidamente os olhos pelo jornal e saiu dirigindo pela cidade.
Pobre do moço que estava apressado justo naquele dia.
Precisava chegar cedo à Feira do Automóvel para arrumar um bom lugar e expor o carro, seminovo, baixa quilometragem, em excelente estado, que levava para vender.
No cruzamento, o motorista da frente não arrancava. A primeira vez, ele achou que fosse algum defeito, tratava-se de uma antiguidade. Diante da imobilidade do condutor, na terceira vez que o semáforo fechou e tornou a abrir, resolveu buzinar. Vai que o velhinho dormiu – pensou.
Foi o bastante para despertar a ira do homem. Mais uma vez tinha sido interrompido numa de suas mais férteis divagações. Sentia que estava perto, mas muito perto mesmo. Próximo como nunca havia estado antes de algo importante, de realizar seu grande sonho, de gritar Eureka a plenos pulmões com causa e razão. Foi exatamente neste momento que o infeliz do moço buzinou.
O homem desceu, foi até a janela do carro do pobre que só tentava seguir seu caminho, e deitou falação.
-Ôh cidadão, e se eu fosse um matemático e estivesse prestes a resumir as operações de seleção, projeção, produto cartesiano, união e diferença entre conjuntos, em uma única equação e assim revolucionar a álgebra? Ou fosse eu o dramaturgo ateniense Sófocles, tentando dar outro desfecho a Antígona, sua obra maestra. Imaginou o tamanho do estrago?
O que teria acontecido, por exemplo, se esse buzinaço viesse bem na hora em que Arquimedes estabelecia os princípios básicos da alavanca ou da hidrostática? Ou no momento em que decifrava o valor de Pi? Imaginou uma cornetada dessas na hora em que Einstein se preparava para modificar definitivamente o quadro conceitual da física; no exato momento em que concluía a experiência que lhe deu razão, que provou que o tempo não transcorre na mesma velocidade para a matéria em repouso e para a matéria em aceleração?
Esta constatação simplesmente permitiu compreender a dinâmica do sol e a origem de sua energia, caso o senhor não saiba. Seguindo este raciocínio, eu poderia ser um imortal como James Clerk Maxwell, Charles Darwin, Louis Pasteur, ou até mesmo Isaac Newton. Imaginou: eu inventando o cálculo, formulando as leis da mecânica e do movimento, descobrindo a lei da gravidade, aí vem você e buzina?!
Ah! Faça-me o favor, poderia ter mudado o destino de toda a raça humana.
-O que talvez tivesse sido uma boa, não acha não?!
-Olha a placa… Você está vendendo o carro?
-Não pensador, estou vendendo a buzina! Quer comprar? Escuta só.