Blog do Lulu 2.0

Tuesday, December 19, 2006

C.A.Cidade Alta X E.C.Cidade Baixa

Enquanto em Cidade Baixa o pessoal se concentrava para vingar o último jogo beneficente, em Cidade Alta, Marizete tratava de comandar o Comitê Organizador, para despeito de Amália, que desde o casamento do pai era obrigada a engolir em seco a madrasta.
Amália:- Comitê?! Pra quê? Aqui nunca teve disso!
A rixa entre as duas pipocava quando chegou um postal de Dora. No cartão, ela dizia que estaria na cidade para a passagem do ano. Era a grande chance de Amália restabelecer a ordem por ali, mostrar quem é que mandava de verdade no pedaço. Coincidência ou não, as duas se encontraram no correio. A jovem filha de Marizete enviou telegrama dizendo que passaria com a mãe aquele final de ano.
Osvaldo e seu Alaor se divertiam educando, brincando e vendo Júnior crescer. O menino não parava. Sogro e genro estavam cada vez mais próximos. A parte a força da convivência, desenvolveram em comum o gosto pela vida doméstica.
Já Amália e Marizete, por mais que tentassem, não sossegavam nem conseguiam esconder a má-vontade que reinava soberana entre elas.
O dia do jogo chegou. No campo, tudo estava preparado. Na praça, as barracas, o pódio, o palco, também estava tudo quase pronto.
… E foi dado o pontapé inicial, o Clube Atlético Cidade Alta inicia a partida. Uma saída rápida, perigosa, mas Tinoco perde a bola. Jonas, do Esporte Clube Cidade Baixa, rouba e vem conduzindo pela lateral. Enxerga bem o companheiro do outro lado e inverte o jogo. O Cidade Baixa avança, vamos acompanhar que o lance pode ser perigoso…
A divisão da cidade data do Brasil Colonial. Assim como se formaram muitas outras cidades do país, na parte alta foram construídas as casas dos ricos, dos senhores de engenho e fazendeiros, e na parte baixa ficavam os abrigos dos escravos e colonos, responsáveis pela construção e manutenção da propriedade. Mas, na verdade, na verdade mesmo, a cidade manteve essa nomenclatura porque, quando tentaram mudar para do Sul e do Norte, ninguém mais sabia qual era qual.
… O time de Cidade Alta parece perdido em campo. O Esporte Clube Cidade Baixa aproveita e é só pressão. O árbitro aponta outro escanteio para a equipe de Cidade Baixa, desta vez pela direita. Pelado se encaminha pra cobrança, ajeita com carinho. Autorizado ele partiu, bateu, ela vai descendo, olha o gol olímpico… No pau, a bola bate no travessão e sai… Que chance! Que lance! Que beleza é o futebol!
A rádio local transmitia o jogo que era acompanhado por homens, mulheres e crianças no campo e pelo rádio, na maioria dos casos, ao mesmo tempo.
Há 15 anos, a peleja beneficente era realizada com o intuito de arrecadar roupas, brinquedos, mantimentos, fundos e tudo mais o que fosse possível.
Aí, no dia 24 de dezembro, durante à tarde, homens, mulheres e crianças partiam em caravana para distribuir o que fora arrecadado. Iam até as populações mais pobres da vizinhança e visitavam as pequenas vilas operárias da região.
… Que dureza! Entrada dura e falta marcada na entrada da área, olha aí, uma boa oportunidade pra equipe de Cidade Alta abrir o placar. Quem vem pra cobrança é o Agenor e ele pega muito bem na bola, vamos ver… Partiu, bateu, o chute sai forte, colocado, olha o gol… Olha o gol… Espalma Picolé, que defezaça… Que chance! Que lance! Que beleza é o futebol!
As únicas pessoas que não pareciam nem um pouco preocupadas com o que acontecia no campo de jogo eram Amália e Marizete. Tudo que uma fazia de um jeito, a outra se apressava em desfazer para refazer de outro bem parecido.
… O juiz apita o final da primeira etapa e o placar se mantém inalterado. O primeiro tempo foi disputado. No começo as equipes se estudaram um pouco, mas dos 10 minutos iniciais em diante o jogo foi franco e aberto. Vamos ver o que acontece na etapa complementar, tô achando que a equipe de Cidade Baixa vai vir pra cima com tudo…
Intervalo, hora de Osvaldo, seu Alaor e Júnior descolarem o ouvido do rádio. Não foram ao campo porque Amália acha Osvaldo Júnior ainda muito pequeno, e depois da briga que houve ano passado, era mais seguro ficar em casa mesmo. Na festa, eles poderiam ir.
- Rapaz, esse Picolé é bom mesmo, né seu Alaor? Goleirão! Era pra tá uns 3 a 0 pra nós não fosse ele…
- E o Picolé não é novo não, jogou nas categorias de base, foi até reserva da Seleção Brasileira juvenil.
- E o quê aconteceu? Ele podia ter se profissionalizado.
- Cachaça, sempre foi um tremendo pé-de-cana.
… Os times já voltaram a campo. Estão todos posicionados para o início da segunda etapa. Começam os 30 minutos finais, lembrando a vocês que, ao persistir o empate, iremos à decisão por pênaltis…
Enquanto isso, no local da festa, o caminhão de chopp buscava um posicionamento estratégico. O pessoal da banda passava o som. As quituteiras, vindas de Cidade Baixa, terminavam de aprumar e enfeitar suas barracas.
… O árbitro vai pedir a bola e esgota-se o tempo regulamentar. O jogo termina empatado. Um segundo tempo muito abaixo das expectativas. Faz muito calor e o cansaço dos atletas é visível. Pela primeira vez em quinze anos, o vencedor será declarado pelo sistema de cobrança de penalidades. Agora é aguardar a lista com o nome dos cobradores…
Mesmo quem até aquele momento estava mais interessado na festa do que no jogo, parou. Ainda que discutida, a decisão por pênaltis é sempre emocionante.
Finalmente, a lista de batedores é anunciada para o total desespero de seu Alaor.
- O Tinoco não!
- Calma seu Alaor, vai dar tudo certo.
- O Tinoco vai bater o último pênalti. Você não entende? É o presságio da derrota!
- Seu Alaor, não fala assim.
- O vô tá certo, o cara é muito ruim.
- Ôh menino, olha o respeito.
- Ué, tô falando que o vô tem razão, até eu jogo melhor que o pereba do Tinoco.
Na praça, no centro de Cidade Alta, muita gente já aguardava o pessoal que para lá iria assim que o jogo fosse decidido. Antes do arrasta-pé, a taça e as medalhas seriam entregues, e a arrecadação do ano divulgada.
… Agora é com ele, tá nas mãos, ou melhor, nos pés do Tinoco e nas mãos do Picolé. Se o Tinoco anotar, mantém as chances da equipe de Cidade Alta. Se o Picolé evitar o gol, dá a vitória ao time de Cidade Baixa. Aquela que será a terceira em quinze partidas disputadas. O clima é tenso. O árbitro autoriza. Tinoco se concentra. Toma distância, parte, bate bonito… Picolé… Picolé vai buscar no cantinho, espalma, tira ela dali… Que Chance! Que Lance… Mas pe-pera aí, pá-pára tudo que o árbitro tá mandando voltar… É minha gente, houve invasão e o lance vai voltar mesmo. Começa uma confusão ali, o empurra-empurra, a turma do deixa-disso entra em ação. E vamos para uma nova cobrança. Tinoco toma distância. O juiz autoriza. Lá vem a batida… ele bate forte e… Pra fora… Ele bate pra fora… Que chance! Que lance! E o time de Cidade Baixa vence o jogo deste ano... Que beleza é o futebol!
Picolé chegou à festa nos braços do povo. Embalado pelos vapores da vitória, a certa altura, o negão se pôs a cantar. Ganhou o palco e tomou conta da banda.
Sua alegria atravessou o mar e foi parar no chão, onde também era um tremendo craque. Raimundo Picolé de Oliveira falava com os pés, sambava como poucos.
O homem dançou e colocou a mulherada para sambar até o sol raiar.
- Mas esse Picolé, hein seu Alaor, canta e dança também?!
- Ele era sambista profissional, chegou até a se apresentar lá no Rio de Janeiro.
- E o quê aconteceu? O disco dele não vendeu?
- Mulher! Foi se meter com a mulher de quem não devia... Teve que voltar fugido.
- E o quê ele faz agora?
- Agora, faz o que gosta e gosta do que faz, é dono do Samba do Crioulo Doido, o único boteco dançante, com música ao vivo de toda a região... Mulher e cachaça adoidado.