Blog do Lulu 2.0

Thursday, December 20, 2007

Muito além do Natal.

Sempre pendeu para o lado dos que acreditam que além da morte existem outros problemas para os quais não há solução. Daqueles que alardeiam ter a abominável consciência de que a felicidade como imaginamos não existe.
Reagia mal até quando lhe desejavam bem-aventuranças de fim de ano. Quimera eclesiástica da qual até os heréticos têm inveja, mas que para ele também inexistia.
Tinha para si, com a certeza de quem já provou do veneno, que felizes são momentos que acontecem uma vez aqui e outra acolá, com hora marcada ou de maneira inesperada, nunca se sabe.
Breves e irrecuperáveis são pessoais, intransferíveis e também impagáveis. Muitas vezes eclipsados pelas sombras dos acontecimentos diários, que os fazem invisíveis aos olhos opacos e desatentos da idade madura. São sutilezas da nossa existência que só a visão pura e cristalina das crianças é capaz de decifrar.
A idéia de que a parte adulta e mais prosaica da humanidade, na qual se inclui, já deveria estar convencida disto era defendida por ele com rigor e argúcia. Mas, depois de anos e anos de brava resistência, decidiu abandonar a contumácia de seus discursos. Passou a boquejar que ficava feliz com isso e aquilo outro; que tal coisa o fazia sentir-se bem e que o mundo, desde que analisado por um renovado ponto de vista, tinha sim salvação.
Pela primeira vez desde a separação, ficou combinado que celebrariam em sua casa. Convidou os filhos, as famílias e os amigos dos mesmos; parentes próximos e distantes.
Muita desconfiança pairou sobre tão abrupta conversão.
As hipóteses de um milagre de natal ou de que o espírito natalino lhe tivesse tomado o corpo foram logo descartadas. Todos preferiam especular sobre uma amante que teria mostrado a ele coisas de outro mundo. Ou quem sabe uma herança, prêmio de loteria. Rendiam-se até ao fato do sujeito ter sido possuído por alguma espécie de demônio festeiro. Tudo, qualquer coisa, menos tão desmerecida bênção, iluminação ou inspiração divina.
Com carinho e capricho de mãe dedicada, ele armou, decorou e iluminou a árvore. Assou o peru, serviu a mesa e, ao final, distribuiu os presentes. Teve o Natal mais feliz da parte de sua vida que é digna de se fazer memória.
Para os mais íntimos também foi um Natal bem diferente do que o de costume. Preocupados e convencidos de que algo não acabaria bem, convidaram o médico da família para passar a meia-noite e, no dia seguinte, almoçar com eles. Vai que o velhinho enlouquece de vez.